Nos primeiros dias de agosto, a SuperVia, empresa responsável pelo sistema de trens da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, anunciou que perdeu 45 mil passageiros em julho (na comparação com junho) devido a tiroteios nos bairros de Costa Barros e Cordovil, na Zona Norte, que provocaram a paralisação completa dos ramais ferroviárias e o fechamento de estações. A concessionária acrescentou que, de janeiro a julho, foram registradas 14 interrupções no serviço por conta de tiroteios.
O que a empresa não informou é que a maioria desses tiroteios foram deflagrados por operações da polícia do Rio de Janeiro em comunidades faveladas próximas à linha férrea. “Operações” é o termo usado, principalmente pela Polícia Militar, para definir incursões armadas de seus agentes para combater – a bala – criminosos envolvidos, principalmente, com o tráfico de entorpecentes. Os resultados costumam ser semelhantes e insignificantes: algumas armas e uma certa quantidade de droga apreendidas e alguns acusados de crimes presos; nos piores casos, há mortes – de “suspeitos”, na palavra oficial, ou de policiais, ou até de inocentes moradores dessas comunidades.
Invariavelmente, há outro resultado dessas “operações”. Escolas são fechadas e alunos ficam sem aula (ou, pior, são obrigados a se abrigar dos tiros no ambiente escolar); postos de saúde interrompem o atendimento. E, como registra a SuperVia, o sistema de transporte ferroviário é interrompido – por vezes, também, as balas dos confrontos obrigam o fechamento de vias rodoviárias urbanas. Esses repetidos transtornos para a população – a quem a polícia devia proteger e servir – não parecem incomodar as forças de segurança que repetem esse tipo de ação há 40 anos, num inequívoco atestado de fracasso e incompetência.
Os tiroteios são uma ameaça permanente à vida, mas não são o único transtorno provocado pela inépcia policial aos usuários do transporte ferroviário no Rio de Janeiro. A causa mais frequente de interrupção na circulação de trens é o furto dos cabos da rede. Nos quatro primeiros meses deste ano, os ladrões levaram mais de 12 mil metros de cabos: 226 ocorrências deste tipo de crime, uma média de quase duas por dia. É uma ação criminosa que também se repete: foram quase mil ocorrências em 2023, mais de 1500 em 2022. Cada furto significa interrupção no transporte, necessidade de reparo, inconvenientes para centenas de passageiros: e acontece quase diariamente em algum dos cinco ramais ferroviários operados pela SuperVia.
Por ser um caso crônico de criminalidade, esse tipo de furto, impossível de ser feito com discrição, devia causar vergonha às forças de segurança – em particular, à Polícia Militar que deveria cuidar do policiamento preventivo. É outro atestado de fracasso e incompetência, neste caso, agravado pelo descaso com este tipo de crime que causa transtornos diários para quem depende do transporte ferroviário. Sempre tão diligente em anunciar a participação dos agentes em tiroteios e ações armadas, a polícia do Rio nunca foi capaz de divulgar planos para coibir esses furtos de cabo da rede de trens e, menos ainda, resultados.
Mas, como pode ser constatado pelos dados das ocorrências nos últimos, o número de furtos está caindo – como quase todos os números do sistema ferroviário do Rio de Janeiro. Os trens da Região Metropolitana chegaram a transportar quase 1,5 milhão de pessoas por dia na década de 1980, quando ainda era operado pela Rede Ferroviária; hoje a média diária não passa de 320 mil passageiros. É um transporte de massa que foi sucateado pelo descaso das autoridade públicas do Rio ao longo de décadas, quando o sistema rodoviário – dominado por um cartel de empresas de ônibus – foi privilegiado e priorizado em detrimento dos trens suburbanos.
O colapso do sistema ferroviária parece iminente. A SuperVia está em recuperação judicial desde 2021, alegando prejuízos que passam de R$ 1 bilhão de reais – o impacto da pandemia e o congelamento de tarifas aparecem na lista de causas para a crise da empresa ao lado dos problemas de segurança, encabeçados não pelos tiroteios nem pelo aumento dos casos de vandalismo mas pelos repetidos furtos de cabos. Laudo contábil, feito a pedido da Justiça, diz que concessionária só tem condições de operar os trens até o fim deste mês de agosto.
Apesar da queda do número de passageiros, ainda são milhares de pessoas que dependem dos trens diariamente, exatamente aquelas que vivem em áreas mais pobres da Zona Norte e da Baixada Fluminense. O colapso do sistema – para além de mais um atestado de incompetência para as forças de segurança – é uma marca de fiasco civilizatório para o Rio de Janeiro.
Texto publicado originalmente no #Colabora – Jornalismo Sustentável