Li em algum lugar que o cineasta Luís Buñuel teria dito, ou escrito, que “nós somos a soma das nossas memórias. Sem memórias, boas ou más, nós não existimos”. Não tenho certeza se a frase foi exatamente essa, mas foi algo com o mesmo sentido. E por que eu me lembrei dessa afirmação? Porque ela é muito verdadeira e pude comprová-la por conta da COP30 e da recente ida de minha filha ao Cirio de Nazaré, que reavivaram uma das minhas melhores recordações: Belém do Pará.
Faz muito tempo, janeiro de 1967. Belém foi a minha porta de entrada para a Amazônia, região que aprendi a amar. Mas, pudera, seria impossível não me apaixonar por aquela cidade e por aquela gente bem-humorada, bem-educada e, com justiça, orgulhosa das suas raízes, das suas imensidões.
Rios com margens infinitas, florestas imensas em todas as dimensões, frutas (taperebá, bacuri, açaí e ah! pupunha no café da manhã), peixes de rio (filhote, pirarucu, tucunaré e ah! costelas de tambaqui), caranguejos e camarões, enormes e abundantes. Claro que tudo isso encanta o visitante tanto pelo ineditismo como pelos sabores desconhecidos e inesquecíveis. Relembro da primeira cuia de tacacá que pus na boca receoso de não gostar e decepcionar meu tio, paraibano, paraense por opção. O tucupi quente inebriou todas as minhas papilas, antes que a folha de jambu mastigada adormecesse gentilmente a minha língua. Esperei um pouco e mordi o camarão pousado sobre a goma no fundo da cuia. Não precisei falar nada. A minha expressão facial disse tudo. Meu tio, excelente anfitrião, apenas sorriu e disse “você ainda não viu nada.”
Dali em diante foram duas semanas do mais puro deslumbre. Hospedado na casa daquele meu tio, casado com Cecilia, uma belenense raiz, que lhe deu “apenas” 5 filhas e 4 filhos, fui tratado como um rei e, obviamente, com tantos primos não me faltaram cicerones. Os primos, todos eles, com a simpatia típica do povo daquela cidade, logo me conquistaram e ainda hoje – passados tantos anos – e com o convívio prejudicado pela distância geográfica – sempre que nos encontramos é com uma indisfarçável alegria que nos abraçamos e acarinhamos.
Naqueles quinze dias não me cansei de percorrer as ruas arborizadas com enormes mangueiras e frequentei várias vezes o Museu Emilio Goeldi e o Bosque Rodrigues Alves (misto de zoológico com jardim botânico), lugares ideais para conhecer a fauna e a flora da região. Mais do que ideais, são imprescindíveis.
Também passei bons momentos na belíssima Praça da República, que envolve o magnífico Teatro da Paz e é ladeada pelo edifício Manuel Pinto da Silva, orgulho dos belenenses por ser, à época, o mais alto do Norte e Nordeste. Tudo isso ainda está lá, maravilhosos.
Claro que conheci o famosíssimo mercado Ver-o-Peso, onde fiquei impressionado com o vaivém das embarcações de pequeno porte trazendo produtos regionais. Que logística perfeita, e sem nenhum auxílio de inteligências artificiais! Uma beleza, do alto do restaurante do Círculo Militar degustar um – hoje proibido – casquinho de muçuã, observando a movimentação daqueles barcos enquadrados na panorâmica vista da Baía de Guajará. Foram momentos mágicos e inenarráveis que nem a pátina do tempo conseguiu desbotar da minha mente. Ao sair do restaurante era, e ainda é, mandatório caminhar até a Igreja da Sé, entrar e agradecer a dádiva de estar ali. Outros preferem fazer isso na Basílica de Nossa Senhora de Nazaré. Melhor fazê-lo em ambas, por que não? O duplo agradecimento é pouco para o tamanho do privilégio.
Indelével, também, ficou sendo o aroma doce e perfumado exalado nas proximidades da antiga fábrica Phebo, na travessa Quintino. Desde então, ao sentir o perfume daquele sabonete, relembro com gratidão da família de Jorge Valle, que, morando ali perto, me apresentou a quase sagrada maniçoba e ao melhor pato no tucupi que comi na vida.
Mas a minha Belém não se limitou à capital. Como esquecer a ilha fluvial de Mosqueiro, com suas praias de água doce. Hoje, se a ponte que a liga ao continente reduziu o tempo da viagem, também acabou com a paquera que rolava solta na espera da balsa. Mas por que não ir mais longe conhecer as praias de Salinópolis? Fui. Valeu muito a pena, até aproveitando para conhecer o centro histórico da cidade de Bragança, com sua arquitetura do século XIX.
E os ritmos locais? Confesso que ao Tecnobrega atual eu continuo preferindo o Siriá e o Carimbó, que me conquistaram naquela primeira viagem.
Voltei algumas poucas vezes e a cidade cresceu. E soube fazê-lo. O visitante atual, além de tudo aquilo que me fez apaixonar pela cidade, conhecerá o Mangal das Garças, a Estação das Docas, o novo Mercado São Braz, o Espaço São José Liberto e o Museu de Gemas, ambos em antigo presídio. E as iluminações dos diversos prédios públicos, hein?
E, certamente, esse turista concordará com a frase que vi em um grafite que poluía o muro do colégio Gentil: “Quem foi ao Pará, parou. Provou açaí, ficou.”
E o calor? perguntará o leitor mais chato. Como se paraense fosse, eu respondo: Égua! Não sei, porque somente me recordo do calor humano. E o chato insistente: E eles são bairristas? Sim, claro que são. Eles se envaidecem até da cotidiana chuva da tarde. E com razão. Muitos são os motivos do orgulho. Todavia, são generosos, e não escondem o prazer em dividi-los com quem os visita.
E para não se indispor com 90% da população local, entre o Clube do Remo e o Paysandu, recomendo seguir meu exemplo e escolher a Tuna Luso. Entendeste, mano?


Alfeu!
Lembrei de tudo de Belém!
Aos meus 13 anos, em 1964, passei um tempo em Belém e mais de um mês em Bragança.
Conheci boa parte do que você descreve lindamente, Salinopolis inclusive, e o museu Goeldi!
E meu pai, sedento por passar cultura pros filhos, tirou férias e nos levou por uma viagem de navio de Belém, passando por Manaus, pegando depois o Rio Madeira até chegarmos em Porto Velho onde ficamos uma semana.
Depois voltamos no mesmo navio, pelo mesmo percurso, até Belém.
Eu e meus irmãos conhecemos bastante a Amazônia.
Você tem razão. Os Belenenses são acolhedores e orgulhosos daquela riqueza toda!
Belo artigo!
Abraço!
Dr. Alfeu
Seus artigos são sempre elucidativos e fico emocionado, e com vontade de me aventurar em viajar por essas regiões mas me falta “R$” disposição para tanto mas viajo com suas memórias…me faz bem!
Um forte e fraterno abraço!
👏👏👏Gostei muito de seu texto.
Muito bom , uma cidade rica em cultura e com locais espaços únicos como suas grandes praças, que culinária!! Muito bom Belém
Texto leve, leitura fácil, agradável e com fidelidade a minha Belém…gostei muito!
Bela explanação sobre a minha cidade
Verdadeiro passeio por terras que não consigo parar de admirar..O paraense ,acredito que seja o único que sabe descrever seu estado, com brilho no olhar.
Conheço pouco Belém. Passei 5 dias lá e gostei muito! Seu texto me fez lembrar muita coisa.
Agora sim. Acabei de viajar com você por tantos lugares lindos e diferentes. Estivemos em Belém em 2017. Fizemos vários passeios inclusive na Prainha como eles chamam . Não experimentei nenhuma comida típica.,Encontramos lá um restaurante pernambucano Tio Armênio recém inaugurado. Valeu primo, deu para recordar bastante.
Seu relato foi perfeito sobre Belém. . É tudo isso que encanta quem chega em.nossa cidade . Já viajei muito ,mas não encontrei um lugar tão acolhedor ,com uma culinária única com sabores excelentes , onde só aqui encontramos tantas variedades de frutas . Sem falar no povo que sempre está sorrindo e ti cumprimentando pelas ruas mesmo sem nunca ter falado com eles. E se um dia vc tiver uma folguinha ,volte pra cá ,venha passar uns dias felizes com esse povo acolhedor que recebe os turistas de braços abertos.
Por duas vezes, estive em Belém. A primeira, quando durante uma semana, fiz palestras para aposentados da PETROBRAS, sobre Repactuação. A segunda vez, por ocasião dos jogos dos aposentados do Banco do Brasil. De fato, é impossível não se apaixonar por Belém. Uma das coisas que chamou muito a minha atenção, foram as inúmeras ruas e avenidas arborizadas, principalmente por mangueiras. Os tradicionais produtos da fábrica Phebo, até hoje, encantam uma grande parcela de admiradores, inclusive eu. Dizem que em Belém, os paraenses quando vão acertar compromissos de encontros pessoais, pós meio dia, têm que deixar bem claro, se é antes ou depois da cotidiana chuva da tarde. . Alfeu, concordo plenamente que os belenenses são pessoas bem-humoradas e bem-educadas. Parabéns pelo texto.
Lindo texto, agora é só viajar!!!
Que lindo relato, Belem, minha cidade Natal é encantadora.
Volte sempre.
Sou de Belém,você me emocionou muito,vendo pelos seus olhos.
Que texto lindo e caloroso, Alfeu Valença. Meu coração encheu-se de alegria ao ler você falando tão bem de nossa cidade, em meio a tantas críticas de pessoas que, se quer ao menos se deram o trabalho de vir aqui. Obrigada por fazer meu coração sorrir nesta manhã. Parabéns e que venham mais textos amorosos assim.
Esse moço me fez chorar.
Égua maninho o cara sabe tudo. Este zinho é paidegua.
Alfeu,
Também tive o privilégio de ser recebido na casa de Tio Carlos e Tia Cecília, conheci Belém e seus encantos. Fui ao Marajó, Salinas, Bragança e Capanema.
Quase fiquei no Pará, parei por mais de um ano, nunca mais deixei o açaí faltar, pena que o daqui não é como o de lá!
Abraço!
Alfeu , querido viajante , indo e vindo com vc . Conheci Belém do Pará , trabalhando pelo Inca – Instituto Nacional de Câncer. Foi lá que identifiquei a melhor coordenadora regional que tivemos : Dra Suzanne Serruya . Belém é realmente apaixonante . Lendo vc , lembrando , sentindo e vivendo . Parabéns!
Égua, professor Alfeu, o seu texto é muito paidégua. Que Deus ilumine sempre seus caminhos.
Lindo texto sobre as belezas de nosso Pará, especialmente de nossa Belém… Parabéns!!
Acho uma das melhores traduções de Belém do Pará, a pouco lembrada música “TACACA”, composta por Chiquinha Gonzaga irmã de Luiz Gonzaga, que também é um dos interpretes da música da irmã.
Dominguinhos também interpreta.
É de uma sutileza que só Belém tem.
Aconselho que a escutem.
Sou de Belém, obrigada por descrever Belém tão lindamente. Sejam bem -vindos sempre.