O período eleitoral ainda não começou oficialmente no Rio, mas os possíveis pré-candidatos ao Palácio Guanabara já iniciaram a corrida rumo à cadeira de governador nas eleições de 2026. Dessa vez, um público em especial está no centro dessa disputa e pode ser decisivo para o resultado: o eleitorado evangélico, que é o segundo maior grupo religioso do Brasil e, no Estado do Rio, representa mais de 30% da população. Os dados são de um levantamento da Mar Asset Management.
Com uma representatividade que tem crescido nas urnas, nomes cotados para disputar o governo estadual — como o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD); o deputado Rodrigo Bacellar (União); e o secretário estadual de Transportes, Washington Reis (MDB) — já começaram a se movimentar em direção a esse eleitorado.
Segundo a pesquisa da Mar Asset Management, publicada em janeiro de 2025, até 2026 os evangélicos representarão 36% da população brasileira (ante 32% em 2022 e 22% em 2010), com projeção de superar os católicos em número até 2030. Apenas entre 2010 e 2024, o número de igrejas evangélicas com CNPJ ativo dobrou, chegando a mais de 140 mil templos, com cerca de 5 mil novas aberturas por ano.
Paes e seus acenos aos evangélicos
O prefeito Eduardo Paes, por exemplo, tem acompanhado de perto o crescimento desse grupo e feito diversos acenos aos evangélicos durante seu quarto mandato. Somente este ano, a Prefeitura do Rio liberou patrocínio de R$ 1,9 milhão para a realização da Marcha para Jesus e, meses antes, destinou outros R$ 350 mil para o evento cristão “JA de Verão 2025” — promovido pela Igreja Adventista, que também foi incluído no Calendário Oficial da cidade.
Em outro gesto, no dia 15 de dezembro de 2024, Paes anunciou a construção do primeiro centro temático evangélico do município, batizado de “A Terra Prometida”, que será instalado em Santa Cruz, na Zona Oeste, no espaço onde hoje funciona a Cidade das Crianças Leonel Brizola. O projeto será inspirado na cultura e na tradição evangélica.
Evangélicos foram essenciais na reeleição de Paes
Além disso, pela primeira vez na história, o réveillon de Copacabana em 2025 contou com um palco dedicado exclusivamente à música gospel, no retorno do Palco Leme. Vale destacar que o apoio do eleitorado evangélico foi essencial para a reeleição de Paes nas eleições de 2024, quando ele alcançou 55% das intenções de voto entre aquele público.
Os movimentos são tantos que, recentemente, o Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (Ceap) protocolou uma representação no Ministério Público Federal (MPF) contra Paes, acusando-o de favorecer de forma desproporcional o público evangélico.
Rodrigo Bacellar tem apoio do PL
Por sua vez, o deputado Rodrigo Bacellar, atual presidente da Assembleia Legislativa (Alerj), também desponta como possível pré-candidato ao Palácio Guanabara. Apesar de ainda não ter feito acenos diretos ao eleitorado evangélico, Bacellar tem o apoio do grupo político do governador Cláudio Castro (PL) — partido que, desde a eleição do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), tem forte alinhamento com esse segmento religioso.
Ainda de acordo com o levantamento da Mar Asset Management, por estar filiado a um partido mais alinhado à direita, Bacellar parte com uma vantagem entre o eleitorado evangélico, uma vez que os estados com maior concentração de templos evangélicos costumam registrar mais votos em candidatos da direita. A pesquisa toma como referência as eleições de 2018, que elegeram Bolsonaro, quando apenas 31% dos evangélicos declararam voto nos candidatos à esquerda.
Bacellar não esteve na Marcha para Jesus
Apesar disso, Bacellar não esteve presente na Marcha para Jesus deste ano, evento organizado por Silas Malafaia, uma das lideranças mais influentes no meio evangélico no estado e pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo (Advec). Quem marcou presença foi Cláudio Castro, que, ao comentar sobre eventos cristãos, disse que “também movimentam a economia” tal qual shows de estrelas pop, como Madonna e Lady Gaga.
Reis tem apoio de liderenças evangélicas
Se Bacellar se ausentou, a família Reis fez questão de marcar presença na Marcha para Jesus. Washington Reis, ex-prefeito de Duque de Caxias e atual secretário estadual de Transportes, chegou a subir ao palco ao lado de pastores e da organização do evento. É um nome que tem ganhado força dentro do grupo evangélico para disputar o governo.
Sua pré-candidatura, porém, ainda é incerta, especialmente porque Reis tem sinalizado interesse em uma vaga ao Senado e segue tentando reverter uma condenação por crime ambiental, no Supremo Tribunal Federal (STF), que o tornou inelegível.
A ala evangélica, por sua vez, parece inclinada a apoiar Reis para o governo do estado. Segundo informações da colunista Bela Megale, do jornal O Globo, o secretário de Transportes já conta com o apoio de Silas Malafaia, que ainda estaria resistente a apoiar a pré-candidatura de Bacellar. E não é só ele: até mesmo em algumas alas do PL, Bacellar ainda não conseguiu unanimidade para consolidar sua pré-candidatura ao governo do estado.
O que dizem os especialistas
Os especialistas observam com atenção o movimento que tem se desenhado em torno do eleitorado evangélico. Para Mayra Goulart, professora do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio (UFRJ), esse público é “certamente decisivo”, mas é preciso analisar não apenas os nomes dos possíveis pré-candidatos, como também as alianças entre os partidos que devem sustentar essas candidaturas.
“Com a federação entre União Brasil e PP — especialmente o PP, que vinha sendo cortejado por Paes, na figura mais emblemática do Wladimir Garotinho —, o partido acabou sendo atraído para o campo do PL. Isso porque Bacellar, que é do União, deve se lançar como candidato alinhado ao campo bolsonarista, com apoio de Cláudio Castro, que é do PL. Assim, a federação se posiciona hoje mais próxima da oposição a Paes, embora ainda haja negociações para que ele consiga atrair setores do PP para sua base”, explica Goulart.
Partidos que estão de fora da federação
A professora também destaca que ficaram de fora da federação entre União Brasil e PP — que tende a compor o campo de oposição a Paes — partidos como Republicanos, MDB e legendas menores, como Podemos e Solidariedade. Segundo ela, o principal fator que levou o Republicanos a não aderir à federação foi justamente sua “identidade evangélica”, o que abre espaço para que essas legendas estejam mais suscetíveis à influência de Paes e, eventualmente, se distanciem do bloco de direita.
“Esse jogo ainda está para ser jogado”, afirma Goulart, destacando que Washington Reis, ex-prefeito de Duque de Caxias e mandachuva na Baixada Fluminense, surge como um dos nomes mais prováveis para atrair esse eleitorado, caso decida se lançar como pré-candidato ao Palácio Guanabara.
‘A corrida está em aberto’
“Os evangélicos, liderados pelo pastor Silas Malafaia, já manifestaram apoio à candidatura de Washington Reis. Então, esse jogo ainda está em aberto, com possibilidade de alianças e movimentações, ao menos para evitar a formação de um ‘blocão’ da direita ou, no mínimo, para dividir esse bloco. Nesse cenário, Washington Reis poderia, inclusive, contar com o apoio de Wladimir Garotinho, do PP”, completa.
O professor Fernando Meireles, do Departamento de Estudos Políticos da Universidade do Estado do Rio (Uerj), também acredita que o eleitorado evangélico será decisivo, mas ressalta que não se deve pensar esse grupo apenas a partir do voto individual, pois, segundo ele, não é exatamente assim que se dá a decisão eleitoral desse segmento.
‘As pessoas acabam votando por valores’
“Há muito tempo a igreja evangélica não é movida por uma única liderança, nem pela ideia de que o pastor influencia diretamente o voto. O que acontece é que, cada vez mais, as eleições presidenciais no Brasil, assim como as para governador e senador — ou seja, eleições majoritárias —, têm um peso ideológico e programático muito maior. As pessoas acabam votando por valores. E, naturalmente, o grupo evangélico passou a entender claramente quais são os valores em disputa, posicionando-se em função deles”, explica.
Segundo Meireles, os valores normalmente associados aos evangélicos — como pautas pró-família, pró-vida, defesa de valores tradicionais e da própria igreja — se tornaram grandes motivadores do voto, levando o segmento a se alinhar, majoritariamente, a políticos da ala direita.
Paes não é a principal aposta
“Eduardo Paes não é uma candidatura natural para esse eleitorado, por estar situado mais ao centro e centro-esquerda. Embora, por conta da avaliação positiva de sua gestão, ele tenha conseguido conquistar parte desse público, não é nele que está a principal aposta. É mais provável que o segmento evangélico se incline para uma candidatura de centro-direita, como a que deve ser ofertada pelo consórcio de partidos como PL e União Brasil, que apoia Bacellar”, avalia.
O professor Brand Arenari, chefe do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF), tem uma visão semelhante. Ele reforça que o eleitorado evangélico não é homogêneo no que se refere à atividade política, lembrando que, em outros períodos, já houve apoio significativo a políticos de esquerda, como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). No entanto, Arenari concorda que, no cenário atual, Bacellar aparece como uma das principais apostas para conquistar esse público.
‘Costumam ter um papel muito importante nas decisões’
“Por outro lado, há um grupo dentro dos setores evangélicos muito coeso em determinadas posições, com uma visão anti-esquerda, anti-PT, etc. Esses grupos costumam ter um papel muito importante nas decisões. Nesse cenário, claramente, Rodrigo Bacellar, entre todos os possíveis pré-candidatos, salta na frente. Isso se deve tanto ao partido quanto à sua trajetória mais recente, à sua proximidade com Bolsonaro e também pelo fato de que seu principal adversário, Eduardo Paes, está hoje mais associado a Lula”, analisa.
Ainda assim, Brand Arenari ressalta que Eduardo Paes sempre se posicionou, ao longo de sua trajetória política, mais ao centro e centro-direita. Para ele, esse movimento recente em direção à centro-esquerda, aproximando-se de blocos mais progressistas, ocorre no âmbito da política municipal e não se reflete necessariamente na lógica das disputas estaduais.
Dificuldades para atrair este público
“Em eleições municipais, os vínculos e os cálculos do voto são diferentes dos que ocorrem nas eleições para governador ou presidente. Nessas disputas de maior escala, Eduardo Paes tende a enfrentar mais dificuldade para atrair o voto evangélico, já que será percebido como um candidato mais alinhado à esquerda, tendo um adversário claramente posicionado à direita. Isso tende a dificultar sua capacidade de conquistar a maioria dos votos evangélicos no estado, reduzindo, consequentemente, sua participação nas intenções de voto”, conclui.
Como a igreja evangélica está dividida
Atualmente, os evangélicos no Brasil não formam um grupo homogêneo, estando organizados em pelo menos três grandes segmentos: igrejas missionárias, pentecostais e neopentecostais. Cada um possui características teológicas, organizacionais e históricas distintas, conforme aponta a pesquisa da Mar Asset Management.
Missionárias
As igrejas missionárias têm origem na tradição reformada, com forte ênfase na salvação pela fé, no estudo das Escrituras e na atuação social. Estabeleceram-se no Brasil a partir do século XIX, trazidas principalmente por missionários dos Estados Unidos e da Europa. Valorizam a evangelização e o serviço comunitário, desenvolvendo atividades educacionais e assistenciais. Entre os principais representantes desse segmento estão a Igreja Presbiteriana, a Igreja Batista e a Igreja Metodista.
Pentecostais
As igrejas pentecostais, por sua vez, surgiram no início do século XX, fundamentadas na crença na manifestação dos dons do Espírito Santo, como curas, profecias e o falar em línguas. O movimento pentecostal prioriza a experiência espiritual individual, o avivamento e a expectativa da segunda vinda de Cristo. No Brasil, esse segmento cresceu rapidamente, sobretudo entre as camadas populares. As principais denominações são a Assembleia de Deus e a Congregação Cristã no Brasil.
Neopentecostais
Por fim, as igrejas neopentecostais emergem a partir da década de 1970, com uma proposta mais pragmática e empresarial, centrada na Teologia da Prosperidade — doutrina que associa fé à conquista de bens materiais, saúde e sucesso pessoal. Diferenciam-se também pelo uso intensivo dos meios de comunicação e de estratégias de marketing religioso. Nesse grupo, destacam-se a Igreja Universal do Reino de Deus, a Igreja Internacional da Graça de Deus e a Igreja Mundial do Poder de Deus.
O termo “igrejas missionarias” não define tao bem o protestantismo historico. Apenas os presbiterianos e congregacionais cabem no termo “reformado”. Os proprios evangelicos chamam as igrejas historicas como “tradicionais”, as que se distinguem das pentecostais, como os batistas da CBB, os luteranos, anglicanos,.metodistas da IMB e outras. Mas a clivagem é mais peofunda pq ha fundamentalistas e progressistas…. Sugiro maior pesquisa