A volta às aulas em 2025 trouxe uma grande mudança para alunos e famílias: a restrição do uso de celulares nas escolas públicas e privadas em todo o Brasil. No estado do Rio, a nova regra dividiu opiniões. Enquanto alguns pais reconhecem a importância da medida, outros temem que seus filhos apresentem sinais de abstinência por não estarem acostumados a ficar tão longe dos aparelhos.
A medida, estabelecida pela Lei Federal 15.100, proíbe o uso de dispositivos eletrônicos dentro das salas de aula e também durante os recreios e intervalos. A exceção é para o uso pedagógico, autorizado pelos professores. O objetivo da lei é reduzir os impactos negativos das telas na saúde mental e no desenvolvimento social de crianças e adolescentes.
Pais já demonstram preocupação
Os pais, no entanto, já demonstram preocupação quanto à reação dos filhos diante da mudança. Andresa Martins, dona de casa e moradora de São Gonçalo, tem receio de que a filha Gabriela, de 13 anos, comece a ter crises de ansiedade por ficar tanto tempo sem o celular.
“Ela é muito ligada no celular, não consegue desgrudar do aparelho. Usa o tempo todo para jogar, assistir vídeos e, principalmente, para conversar com os amigos. Gabriela é uma adolescente bastante agitada e, por ser tão conectada, também já é muito ansiosa. O celular acaba sendo uma forma de ela se acalmar e manter o controle sobre sua rotina”, explica Andresa.
Irritação e isolamento
Ela teme que a filha fique extremamente irritada ou se isole ainda mais, pois Gabriela tende a ficar nervosa quando não tem o celular à disposição. “Essa é uma preocupação constante e algo sobre o qual já conversamos diversas vezes”, acrescenta.
De acordo com a norma, o uso de celular não é proibido em situações de emergência, questões de saúde ou acessibilidade. Alunos que precisem se comunicar com seus pais para organizar a rotina familiar devem fazê-lo com a orientação e conhecimento da escola.
O que os especialistas dizem
Mas será que há realmente o risco de abstinência entre crianças e adolescentes? O psicólogo teen Lucas Chagas esclarece que o termo “abstinência” pode não ser o mais adequado.
“Abstinência implica uma restrição total, como no caso da dependência química, onde há o corte completo do contato com a substância. No caso da proibição de celulares nas escolas, não podemos afirmar que as crianças estarão igualmente sem acesso ao aparelho em casa, o que torna difícil falar em abstinência”, explica.
Riscos maiores para famílias desestruturadas
No entanto, ele alerta que a retirada do celular na escola pode, sim, gerar reações emocionais e comportamentais nos alunos.
“A psicologia fala em ‘extinção comportamental’, que se refere a um processo que ocorre, mesmo que de forma periódica, apenas na escola. Inicialmente, pode haver reações emocionais, como raiva ou tristeza, enquanto a criança ou o adolescente se adapta à nova rotina. Também pode ocorrer uma tentativa de compensação, onde, ao não poder usar o celular, eles buscam outros eletrônicos”, explica o psicólogo.
Chagas também destaca que o impacto pode ser ainda maior em famílias mais desestruturadas. Segundo ele, crianças que enfrentam dificuldades familiares ou sociais tendem a sentir a falta do celular de maneira mais intensa, já que o veem como o único meio de interação e conforto. Isso pode gerar sentimentos de solidão e angústia.
Alternativas ao uso de celular nas escolas
Para minimizar esses impactos, o psicólogo defende que a escola ofereça alternativas que incentivem a socialização e o engajamento dos alunos.
“Para prevenir os efeitos negativos, é importante substituir o uso do celular por outros comportamentos. No ambiente escolar, os professores podem adaptar suas metodologias para incentivar mais a interação social entre os alunos. Assim, ao oferecer novas formas de interação, conseguimos compensar a falta que o celular faz para essas crianças e adolescentes”, enfatiza.
Chagas também destaca a importância do suporte social, mas ressalta que, para isso, crianças e adolescentes precisam desenvolver habilidades sociais para interagir com seus amigos e colegas. Ele sugere que a escola planeje momentos, sejam semanais ou diários, para que os alunos possam trabalhar essas habilidades de comunicação, trocar ideias e aprender juntos.
O que diz o Estado do Rio
A Secretaria estadual de Educação informou que a resolução de 5 de fevereiro de 2025, que regulamenta o uso de celulares e outros eletrônicos nas escolas da rede, estabelece diretrizes que envolvem ações com a comunidade escolar para minimizar os riscos psicológicos decorrentes do uso dos aparelhos tecnológicos.
“Elas incluem a realização de formação continuada para gestores escolares, coordenadores pedagógicos, docentes e demais funcionários escolares, visando à detecção, prevenção e abordagem de sinais sugestivos de sofrimento psíquico e mental, bem como os efeitos prejudiciais do uso excessivo de telas e dispositivos eletrônicos portáteis pessoais, incluindo aparelhos celulares”, diz parte da nota.
A pasta também destaca que a medida garante uma comunicação efetiva com os responsáveis legais dos estudantes e, quando necessário, o encaminhamento a serviços especializados.
“A secretaria entende que a implementação da lei depende também de ampla mobilização social, contando com a participação das famílias, profissionais especializados no tema, profissionais da educação e estudantes, promovendo um trabalho colaborativo de toda a comunidade escolar”, finaliza.
Decreto já está em vigor há um ano na capital
Já a Secretaria municipal de Educação da capital ressaltou que a proibição do uso de celulares nas escolas, incluindo durante os recreios e intervalos, está em vigor desde fevereiro de 2024, por meio de decreto do prefeito Eduardo Paes (PSD). De acordo com a pasta, as escolas estão preparadas para lidar com situações como essas.
“Mais do que preparadas, as escolas cariocas já lidam com essa realidade de forma natural e tranquila, sem registros de incidentes ou emergências em toda a rede de 1.557 unidades”, destacou a secretaria.
A pasta também afirmou que a implementação da medida vem sendo monitorada e avaliada, com resultados positivos na aprendizagem e na interação entre os estudantes. Relatos de diretores e professores indicam melhorias no clima escolar, na redução de episódios de bullying e brigas, além de avanços no desempenho acadêmico.