A jovem mãe estava preocupadíssima com o futuro dos seus dois filhos e sinceramente convencida de que o melhor regime político para educação dos garotos seria uma ditadura militar onde Deus, Pátria, Família e Liberdade dariam o Norte a ser seguido. Frustrada e revoltada pela derrota de seu candidato a presidente da República, ela se juntou a um grupo de pessoas que nem conhecia bem e, financiada anonimamente por um ricaço da sua cidade interiorana, viajou para Brasília. Sem a menor preocupação em saber quem bancava tudo aquilo, depois de viajar cerca de 900 quilômetros ela desceu do ônibus e se juntou ao grupo de manifestantes acampados na porta do Forte Apache, em Brasília. Ali, centenas de pessoas se aglomeravam e agitavam faixas pedindo a intervenção militar para derrubar o presidente eleito. Era o dia 7 de janeiro de 2023, mas a tal Selma, que a convidara pelo WhatsApp, informara que a sua festa seria no dia seguinte, e aquilo lá era apenas a concentração. O convite pedia para não trazer presentes já que Selma seria aquinhoada duplamente: destituição do presidente eleito e fechamento do tal Supremo Tribunal Federal (STF). Durante a viagem, um moço inteligente, com muita didática e sedução, explicara tudo aquilo direitinho: a fraude nas urnas, a perseguição do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ao candidato incumbente, a eleição de um ex-presidiário, a festa de Selma e a Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que seria o gatilho para os militares destituírem aquele sapo barbudo e assumirem o poder. Estava tudo combinado, acertado e sem possibilidade de erros.
Como esperado, no dia seguinte a ordem chegou ao acampamento. Invadir os prédios dos três poderes: Planalto, Congresso e Supremo. Ela, sem conhecer a cidade, nem sabia que prédios eram aqueles, mas, se era para garantir o futuro dos filhos, ela acreditou, concordou, “vamos lá”, e foi. Acompanhou a turba, na maioria visivelmente composta por velhinhos e velhinhas envoltos em bandeiras do Brasil. Os senhorzinhos estavam excitados e gritavam palavras de ordem contra os comunistas que ameaçavam o Brasil, como o moço do ônibus havia ensinado. Ela marchava na retaguarda de um grupo mais audacioso que já invadia e depredava os prédios alvos daquela pacífica manifestação. Cansada, resolveu descansar à sombra de uma estátua esquisita, que parecia uma mulher sentada com um lenço na cabeça. Descansava ali, no bem bom, quando um ancião perguntou se ela tinha tinta. Ela disse que não. E batom? Ela confirmou. Ele prosseguiu, perguntando se ela tinha uma caligrafia bonita. Ela confirmou novamente. Em seguida, a conversa continuou e logo ele ajudou-a a subir no colo daquela estátua. Bem-posicionada, ela usou o batom para escrever no busto da estátua a frase ditada pelo seu interlocutor: “PERDEU, MANÉ”. Eufórica, feliz por estar de algum modo contribuindo para um Brasil melhor, ela entregou o celular ao velhinho e pediu que ele a fotografasse. A fotografia mostrou-a feliz, sorrindo muito, e mostrando a prova da sua ação: mãos estendidas e manchadas de batom carmim. Naquele breve momento, ainda pensou na alegria dos filhos quando ouvissem ela contar aquela aventura, comprovada pela fotografia.
Depois de algum tempo uns brutamontes da polícia, com muita grosseria, dissolveram aquela manifestação ordeira e ela foi forçada a voltar para o seu ônibus. E de lá para a sua cidade, para os braços dos rebentos, orgulhosa de ter contribuído para fazer voltar ao comando do país àquele que nunca de lá deveria ter saído. Esta foi a narrativa que ela trouxe para a sua casa, e que está tentando fazê-la verdadeira. Um misto de crime, patriotismo e inocência.
Certa de retomar a sua pacata vida interiorana, e voltar aos cabelos das madames da cidade, ela nunca esteve tão enganada. O STF foi refeito e decretou sua prisão preventiva, tendo por base a tal fotografia, que ela orgulhosamente divulgara em suas redes sociais, além de muitas mensagens golpistas recuperadas no seu celular, apesar de ela, cheia da mais santa capciosidade, ter tentado apagá-las. Enquadrada em cinco crimes, todos previstos no Código Penal, ela poderá ser condenada a uma pena máxima de até 14 anos, em regime fechado. Culpada ou inocente? O julgamento caberá a quem a Constituição determina: aos ministros do Supremo!
Recentemente, militantes da extrema direita, assumiram a defesa daquela cabeleireira e lançaram nas redes sociais uma maciça campanha para inocentar a “pobre mãe de família, simplória e inexperiente, privada do sagrado direito de conviver com sua prole”. A ação viralizou e convenceu muita gente. Pessoas de boa índole, desinformadas, não se deram conta que esse movimento usa a pichadora para formular uma defesa prévia do ex-presidente e outras pessoas ligadas a ele, todos acusados dos mesmos crimes. A mulher, no caso, está sendo usada e servindo como escudo para outros réus mais importantes.
E qual a ligação de tudo isto com o título deste texto?
É que alguns partidos políticos, os mesmos que preferem paralisar o Congresso, obstruindo votações de pautas importantes, para defender a anistia Cavalo de Troia (de dentro do qual sairão Bolsonaro e seus pares, segundo o ministro Gilmar Mendes), já procuraram a nossa heroína para, aproveitando a enorme divulgação do seu nome e da sua história, fazê-la candidata a deputada federal. É um péssimo exemplo! Muito triste saber que para ser candidato a um cargo eletivo no nosso Brasil, o currículo da pessoa vale menos do que a sua popularidade, mesmo quando não é uma notoriedade elogiável.
Por casos assim é que, diariamente, ouvimos, em todos os rincões, críticas acerca do despreparo dos nossos representantes nas Câmaras Municipais, Estaduais e Federal. E nos dá a indesejável certeza de que, como previa Ulisses Guimarães, a nossa representatividade parlamentar tende a piorar, sempre.
Rio, 2025
Gostei. Excelente
A jovem cabeleireira escolheu o caminho errado para chegar ao Congresso Nacional. Maldita hora quando ela aceitou o convite da Selma, para a festa no dia 8 de janeiro de 2023. Por não conhecer Brasília, ficou mais perdida do que cego em tiroteio, durante os seus deslocamentos, para contatos com os militantes da extrema direita. O seu “Perdeu Mané” poderá lhe custar uma pena máxima de 14 anos, em regime fechado. No caso de a cabeleireira ser eleita Deputada Federal, será mais uma despreparada para integrar a Câmara Federal, confirmando o que dissera Ulisses Guimarães, que de fato a nossa representatividade parlamentar sempre tende a piorar. Do jeito que as coisas estão andando, a jovem mãe está alicerçado um péssimo futuro para os seus dois filhos. . Alfeu, mais uma vez, um oportuno texto.