Reconhecida pelo Guinness World Records como a maior do mundo, a festa de réveillon na Praia de Copacabana, que acontece nesta quinta (31), é uma tradição com nome, sobrenome e dinastia religiosa no Rio. Até o fim da década de 1950, a noite da virada na “Princesinha do Mar” não tinha nada que a diferenciasse das demais. Quem começou o costume de festejar na praia durante a virada foram os fiéis das religiões de matriz africana — em especial, um dos maiores líderes religiosos da umbanda na cidade: Tata Tancredo.
O nome do pai de santo voltou a aparecer nas redes sociais neste fim de ano, por causa de uma mobilização de internautas e religiosos. Uma campanha nas redes, que começou a circular em postagens nesta terça (30), pede que a Prefeitura do Rio reconheça Tancredo como “inventor” do réveillon de Copacabana e o homenageie com uma estátua na região.
Tata Tancredo organizou primeiras festas de virada na praia
A motivação da campanha nas redes é valorizar a memória histórica do evento, que se mistura com a história das celebrações de religiões de matriz africana no Rio. Em meados do século passado, a umbanda ainda era uma religião recente, “inaugurada” oficialmente em São Gonçalo por volta de 1908. As primeiras federações e organizações doutrinárias do credo foram se desenvolvendo entre 1920 e 1950.
Nascido em 1905, Tancredo da Silva Pinto esteve entre os líderes que participaram dessa movimentação para organizar a religião. Conhecido pelo título “Tata”, que é uma das categorias sacerdotais da religião, ele foi o fundador da Federação Espírita de Umbanda. Ainda em meados dos anos 50, Tata Tancredo iniciou um trabalho de divulgação da crença umbandista, fundando federações em diferentes regiões do país e promovendo celebrações da fé.
Uma dessas estratégias foi organizar celebrações nas praias. Nesses eventos, fiéis da umbanda e de outras religiões de matriz afro se reuniam vestidos de branco, com tambores e atabaques, para realizar uma gira pública. Um dos apoiadores da mobilização virtual pela homenagem ao Tata, o jornalista Aydano André Motta conta que as festas chegaram a acontecer em outras datas antes de se consolidar no réveillon.

“Ele entendeu que fazer no Ano Novo chamaria mais a atenção das pessoas. No começo, só os adeptos de religiões de matriz africana iam. Com o tempo, a festa foi despertando a atenção de quem via. Os rituais foram se integrando à paisagem, até cativar a atenção de todos”, destaca o jornalista.
Com o passar dos anos, a concentração anual de pessoas em Copacabana para o ritual organizado por Tata Tancredo cresceu tanto que outros grupos, não ligados a religiões de matriz africana, começaram a celebrar o réveillon lá. Nos anos 1970, a iniciativa privada começou a se interessar pela festa; churrascarias e hotéis da região aproveitaram o público na praia para organizar as queimas de fogos na orla.
A festa foi se integrando ao calendário da cidade e o poder público começou a participar da organização do festejo, já parcialmente “secularizado”, ainda no final do século XX. Em 1993, a prefeitura organizou o primeiro show pós-virada na praia, com a histórica apresentação de Jorge Ben e Tim Maia, que deu início à tradição anual de shows.
Religiosos e simpatizantes pedem estátua de Tata Tancredo na praia
Apesar da tradição religiosa, o nome de Tata Tancredo não costuma ser lembrado nos festejos oficiais de réveillon da cidade. O gestor ambiental Emanuel Alencar, que também participa da mobilização nas redes pela homenagem, disse, em postagem, que a construção da estátua seria uma forma de reconhecer a participação dos umbandistas na criação do que se tornou um dos principais atrativos turísticos da cidade.

“Se hoje a festa é essa apoteose, foi porque um dia, mais de meio século atrás, ele a inventou. E literalmente todo mundo precisa saber disso, para reverenciar um personagem tão essencial”, escreveu Emanuel nas redes. Até esta quarta (31), a Prefeitura do Rio ainda não havia se manifestado sobre os pedidos de homenagem a Tata Tancredo.
MPF apura possível discriminação religiosa em eventos de réveillon do Rio
O assunto ganhou força nas redes por conta da polêmica envolvendo a apuração de possível discriminação religiosa no Rio. O Ministério Público Federal (MPF) abriu um inquérito civil para apurar os indícios envolvendo a realização de um show gospel na Praia do Leme. O palco com artistas evangélicos está na programação oficial organizada pela Prefeitura do Rio.
O show gospel foi recebido com críticas por parte dos cariocas de outras religiões, que acusam o prefeito Eduardo Paes (PSD) de favorecimento desproporcional da religião cristã em um evento de origem umbandista. A prefeitura terá até 21 de janeiro de 2026 para explicar ao MPF os critérios de uso de recursos públicos no evento.
Paes ainda não comentou o inquérito, mas, nas redes sociais, classificou a reação negativa de parte do público como preconceito. “É impressionante o nível de preconceito dessa gente. O réveillon da Praia de Copacabana é de todos! A música gospel também pode ter seu lugar. Assim como o samba, o rock, o piseiro, o frevo, a música baiana, a MPB, a bossa nova… Cada um que fique no ritmo que mais curte! O povo cristão também tem direito a celebrar! Amém! Axé! Shalom! Namastê!”, escreveu o prefeito na rede X.

