De repente, não mais que repentinamente, uma palavra quase em desuso voltou à evidência: soberania.
Antes da ditadura de 1964, os Estados Unidos, sob a liderança de John Kennedy, instituiu a Aliança para o Progresso, programa que se apresentava como cooperação econômica para combater a pobreza na América Latina quando, na realidade, era um instrumento ideológico para promover a hegemonia dos Estados Unidos na região, priorizando governos aliados aos seus interesses, mesmo que isso contribuísse para a instabilidade política, como ocorreu aqui durante o governo de João Goulart. Criado no contexto da Guerra Fria, aquele programa visava evitar a qualquer custo uma possível influência do comunismo na região, após a Revolução Cubana.
Naquela época, pouco antes e logo após o golpe militar que depôs o presidente João Goulart, as lideranças nacionalistas brasileiras que combatiam a tentativa de domínio estadunidense usaram e abusaram do apelo à soberania nacional. E o que era aquela soberania? Era a independência do Brasil para governar-se a si mesmo, sem subordinação a outras nações ou poderes externos. Ela significava que o povo, por meio do Estado e de suas instituições, deveria tomar suas próprias decisões políticas, econômicas e sociais, de acordo com a nossa constituição. A soberania nacional contemplava, também, e principalmente, a segurança das nossas fronteiras, garantindo a integridade territorial do nosso país.
A ditadura, iniciada em 1964, criou, através dos Atos Institucionais, normas jurídicas com poderes constitucionais que suplantaram a constituição vigente, mas souberam respeitar a nossa soberania, a tal ponto que o presidente Ernesto Geisel, para defendê-la, cancelou em 1977 o Acordo Militar Brasil-Estados Unidos, vigente desde 1952.
Com o passar do tempo, a ditadura foi se abrandando, o regime democrático voltou e a defesa explicita da nossa soberania deixou de ser necessária, pois ela não estava mais ameaçada. Os norte-americanos nos respeitavam, aceitavam o nosso desenvolvimento e nossas economias se complementavam. Aqui se instalaram empresas ianques e outras, brasileiras, abriram filiais nos Estados Unidos.
Mas, eis que, em janeiro deste ano, a presidência americana foi assumida por um extrema-direitista que, claramente, (à semelhança de Putin que deseja reestabelecer a Grande Rússia) pretende ocupar o domínio sobre os países do continente americano, desejoso de voltar à época em que os Estados Unidos exerciam poder econômico e político (Castelo Branco no Brasil, Rafael Videla na Argentina, Augusto Pinochet no Chile, Alfredo Stroessner no Paraguai, Juan Maria Bordaberry no Uruguai, são exemplos daquela época) em quase toda a região.
Não utilizando exércitos, mas modernas armas econômicas, o presidente Trump promoveu taxações absurdamente altas aos nossos produtos de exportação, sob chantagem de removê-las se a Suprema Corte brasileira cancelar um processo penal contra um ex-presidente. Foi o bastante para, com muita razão, as autoridades civis e militares e os nossos melhores cérebros se manifestassem contra essas medidas e evocassem a nossa velha e boa soberania nacional. Esse chamamento à sociedade teve uma resposta imediata e apenas alguns radicais da extrema-direita concordaram em atender à chantagem trumpista. A soberania nacional é intocável! Tornou-se palavra de ordem da maioria dos brasileiros!
E é nesse ponto que eu, com minha eterna mania de questionar, fico a me perguntar: O que é a soberania de um país, qualquer país, no final dessa quarta parte do século XXI?
A mim me parece que, diante da dependência de todos os países – eu escrevi todos, mesmo – das modernas tecnologias digitais, a noção de soberania foi profundamente modificada e passa a ser dependente de quem as possui. É notório que as plataformas digitais coletam informações de nossos hábitos, posições políticas e sonhos de consumo. E com isso sabem como agir e selecionar conteúdo para influenciar em nossas opiniões (o exemplo mais palpável foi a aprovação do Brexit, no Reino Unido). E mais, muito mais grave, é pensar que, a qualquer momento, um país, qualquer um, pode ser paralisado (indústrias, transportes, bancos, agronegócio, educação etc.) se forem cancelados seus acessos às nuvens de armazenamento de dados, se forem cortados os Wi-Fi, Internet, IA’s, satélites de comunicação ou até o WhatsApp.
Diante disso, advogo que, no caso brasileiro, não basta o Congresso criar leis regulando a atuação das bigtechs. É importante fazê-lo, mas não basta. É necessário ir mais além e construir uma infraestrutura digital nacional independente, sob pena de renunciarmos definitivamente ao conceito de soberania nacional.
Sem duvida alguma seria a solução. Problema é executar. Investimento é muito alto e com concorrência predatória.
Momento muito conturbado para opinar sobre o assunto. Vejo numa crise muito grande batendo a nossa porta.
Crise de que? Desde que o mundo é mundo, os opositores aos governos clamam pelo apocalipse, que nunca chega.
Em tese, acompanho o relator. Porém, inquieta-me pensar em quão difícil será criar uma “infraestrutura digital nacional independente”…
Crise de que? Desde que o mundo é mundo, os opositores aos governos clamam pelo apocalipse, que nunca chega.