A expansão das favelas na Ilha de Paquetá tem gerado preocupação e debates entre os moradores nas últimas décadas. Enquanto alguns veem as ocupações nos morros como um problema social e ambiental, outros compreendem os motivos que têm levado famílias a se estabelecerem nessas áreas. Especialistas, por sua vez, apontam a complexidade do fenômeno e defendem uma análise mais profunda da questão.
Atualmente, Paquetá abriga cerca de 3.612 habitantes e conta com ao menos quatro favelas distribuídas entre seus nove morros: Pendura Saia, do Gari, PEC e Cachoeira. A ocupação mais recente, surgida há menos de dez anos, é a da Cachoeira.
Ela teve início a partir da ocupação do antigo estábulo, desativado após a prefeitura proibir o uso de charretes na Ilha, em 2016, alegando maus-tratos aos animais e contaminação ambiental causada pelas fezes e urina dos cavalos.
Moradores temem impactos negativos
O empreendedor José Antonio da Silva, de 49 anos, está entre os moradores que demonstram preocupação com o avanço das favelas. Para ele, os impactos mais preocupantes são os ambientais e sociais, como a degradação das áreas verdes e o receio da chegada do tráfico de drogas.
“O que mais me preocupa é ver o mato sumindo. Aqui sempre teve muito verde, muito passarinho, mas agora estão cortando tudo para levantar casa. Se continuar assim, vai acabar a natureza da ilha. A gente que vive aqui sente logo a diferença. Não sou contra ninguém morar, mas tem que ter limite, senão a gente perde tudo. Sem contar o medo de o tráfico tomar o bairro, como já aconteceu em outros lugares do Rio”, afirmou.
‘Não é justo culpar essas pessoas’
Já Carla Pereira, professora de 42 anos, tem um olhar diferente. Ela acredita que muitas famílias estão se dirigindo para os morros por não terem outra opção de moradia e defende que essas pessoas também sejam reconhecidas como moradores legítimos da Ilha.
“Eu vejo as famílias chegando porque não têm escolha. Muita gente vem pra cá fugindo do aluguel caro, tentando encontrar um lugar para viver. Não é justo culpar essas pessoas. Elas só querem uma casa. Claro que preocupa o crescimento desordenado, mas expulsar não resolve. Precisamos pensar em moradia de verdade. Essas famílias merecem viver com dignidade, com água, luz, escola para os filhos, e também são moradoras de Paquetá”, destacou.
‘Isso já é realidade’
Camila Oliveira, de 25 anos, estudante de Comunicação, acredita que o problema não está nas ocupações em si, mas na ausência de controle e de políticas públicas por parte da prefeitura. Para ela, é necessário lidar com a realidade da favelização e construir soluções a partir dela.
“O problema é que a prefeitura finge que não vê. Já que as pessoas estão ocupando, o mínimo seria dar apoio: organizar, levar infraestrutura, evitar que virem áreas de risco. Não adianta só dizer que a favela está crescendo. Isso já é realidade. O que falta é política pública: regularização, urbanização e diálogo com a comunidade. Precisamos urgentemente de mais medidas que apoiem os moradores dessas ocupações e do bairro como um todo”, afirma.
O que dizem os especialistas
Segundo a arquiteta e urbanista Luciana Nemer Diniz, da Universidade Federal Fluminense (UFF), as favelas surgiram no final do século 19, impulsionadas por uma crise habitacional no Rio e em outras capitais brasileiras. Ela explica que as favelas substituíram os cortiços como alternativa informal de moradia para trabalhadores de baixa renda, tornando-se um padrão nas grandes cidades.
“Em termos urbanos, as favelas, inicialmente pequenas e escondidas nos morros, se expandiram para terrenos alagadiços, margens de rios e outras áreas de menor valor, deixadas livres pelo mercado imobiliário. Do ponto de vista social, o surgimento das favelas, por volta de 1890, e sua expansão, refletem o baixo poder aquisitivo da população para acessar a moradia formal”, explica.
A urbanista ressalta que o fenômeno não é exclusivo de Paquetá e lembra que políticas habitacionais começaram a ser desenvolvidas em 1946, durante o governo do então presidente Eurico Gaspar Dutra. No entanto, a descontinuidade dos programas, a falta de integração entre os entes federativos e a redução de recursos são fatores que agravam o problema.
Particularidades das favelas de Paquetá
Luciana observa, porém, que o crescimento das favelas em Paquetá tem características distintas do que se vê em outras regiões do Rio. A peculiaridade, segundo ela, está relacionada à escala territorial da ilha e ao modo como ela foi historicamente ocupada.
“A diferença se dá por uma questão de escala. As favelas em Paquetá são menores, mas proporcionalmente equivalentes ao que ocorre em outras partes da cidade. A Ilha, com 1,2 km², foi habitada inicialmente pelos tupinambás e adensada com as visitas frequentes de Dom João VI e a implantação da linha regular de barcas. Outro marco histórico foi a popularidade alcançada após a publicação do romance ‘A Moreninha’, de Joaquim Manuel de Macedo, em 1844”, comenta.
‘Moradia é necessária’
Ela explica que as favelas estão localizadas entre os morros de Paquetá: São Roque (ou Morro da Moreninha), Castelo, Covanca, Costallat, Pedreiras, Paineiras, Vigário, Veloso e Cruz. Sobre os impactos temidos pelos moradores, Luciana pondera que a moradia é um direito necessário e, portanto, “indiscutível”.
“Cabe, sim, ao poder público a tarefa de regularizar as áreas ocupadas ou, caso sejam de risco ou de propriedade privada, oferecer terra para construção de habitação formal com recursos de programas habitacionais. A Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social (Athis), prevista na Lei nº 11.888/2008, tem se mostrado uma alternativa para melhorias habitacionais voltadas a famílias com renda de até três salários mínimos”, afirma.
Ela finaliza destacando que, com investimento do poder público e colaboração entre as companhias de infraestrutura — como fornecimento de água, luz, coleta de lixo e transporte —, tanto a cidade quanto a Ilha de Paquetá podem se tornar “territórios mais justos socialmente e corretos ambientalmente”.