Acredito que todas as pessoas do meu convívio sabem que eu me arvoro de ser contista. Escrevo contos. Sejam de boa ou má qualidade, gosto de escrevê-los. E, obviamente, fico lisonjeado quando alguém perde tempo lendo algum deles.
Todavia, vez por outra escuto comentários do tipo: “atualmente a minha vida está tão corrida que não estou tendo tempo para ler nada”. Foi pensando nesses preguiçosos mentais que resolvi escrever e publicar alguns microcontos. Ei-los:
Inversão
Parecia já ter nascido ateu. Apaixonou-se e se casou com uma evangélica. De tanto trocarem ideias, ele tornou-se cristão, ela envelheceu ateia.
Sina
Ressacado pedia para morrer. Corneado pela amante quis morrer. Falido, na miséria, pensou em suicídio. Aos 90 anos, morreu ébrio, pobre e corno.
Ironia
Médico. Na faculdade criou fobia do cólera. Viveu a vida se prevenindo da doença. Na velhice foi mordido por um cão de rua. Morreu de raiva.
Ascensorista
Fugiu do sertão. Ascensorista. Quinze anos subindo e descendo sem voltar pra terrinha. Medo de revide. Irmã estuprada. Patrão. Peixeirada mortal.
Dieta
Fez dieta. Emagreceu, engordou, emagreceu, engordou. Ao respirar ouvia-se um som de baião saindo dos pulmões. Médicos: — Efeito sanfona!
Experiência
A moça bonita piscou. Ela, mesmo lembrando da mãe: “Homem não presta”, retribuiu a piscadela. Experimentou e não gostou. Ensinou pra mãe: — Homem pode não prestar, mas é melhor.
Felicidade
O primeiro marido era alcoólatra. O segundo batia nela. No terceiro casamento, teve um marido traído e uma filha com o patrão. Achou a felicidade, enfim.
Ingenuidade
Ela olhou. Cruzei a rua. Olho no olho. Amor à primeira vista. Jantamos, mão na mão. Na cama, perfeita. Mão estendida: “Querido, trezentão!”.”O quê?”. “Otário!”.
Liberdade
“Pai, você está velho, não pode sair sozinho”. Ouviu calado. Pensou. Sorriu e pulou da varanda, voando. Sentiu-se livre. Morreu na calçada. Sozinho.
Passado
Reencontro. Após 40 anos, voltamos ao mesmo bar. Conversamos em silêncio. Em comum, apenas a velhice. Mudez acanhada. “Garçom, a conta!”.
Decepção
O nordestino chegou com fome. Trabalhou, comeu, enriqueceu e se casou. A mulher fugiu com o dinheiro e o amante. Retornou: — São Paulo é uma ilusão!
Mediocridade
Nasceu. Brincou. Cresceu. Estudou. Trabalhou. Namorou. Noivou. Casou-se sem amor. Envelheceu sem filhos. Nunca teve uma paixão e morreu sem ter vivido.
Sonho
Enfim, o primeiro carro. Quinze anos economizando. Terceira mão. E daí? Precisava realizar aquele desejo. Um ônibus, de frente, acabou com sonho.
Diagnóstico
Uma enxaqueca diária levou-o ao médico. Bebidas, comidas, excessos? Não, nenhum. Contato com gente? Muitos. Diagnóstico: ressaca de pessoas.
Sinfonia
Os lamentos da letra daquele bolero fizeram-no lembrar dela, que odiava boleros. Amava rock, que ele odiava. Amavam-se ao som dos clássicos.
Infidelidade
Todos os meus sete irmãos morreram no dia 21 de abril. Ontem, 20 do mês, pensei: “amanhã serei eu”. Hoje cedo, morreu o filho da antiga vizinha.
Rio, 2025
Adoro seus contos .
Guardo os livros que vc escreveu como uma relíquia.
Adoro seus contos.
Guardo os livros que escreveste como uma relíquia.
Guardo os livros que escreveste como uma relíquia.
Grande escritor
Adoro seus contos
Adoro seus livros
Alfeu: Muito bons os seus microcontos!
Gostei dos micro contos. Você tem o dom de escrever bem. Abs
Humor fino, sutil, necessário num tempo de grosserias.
Muito obrigado.