Terminou no início da noite desta quinta-feira (31) pelo menos uma parte da angústia das famílias da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes. Os ex-policiais militares Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, executores do crime cometido em 14 de março de 2018, no Centro do Rio, foram condenados pelo Tribunal do Júri. Lessa foi condenado a 78 anos e nove meses de prisão; Queiroz, a 59 anos e nove meses. A juíza Lúcia Glioche também determinou que eles paguem R$ 706 mil a título de indenização por danos morais a cada um dos parentes próximos das duas vítimas. Eles não poderão recorrer da sentença em liberdade. Os parentes aplaudiram a sentença.
O julgamento, que começou na manhã de quarta (30), e se estendeu por dois dias, com diversas oitivas. Antes da primeira sessão, familiares da vereadora e entidades representativas organizaram um ato pedindo Justiça por Marielle e Anderson. Parentes e amigos se emocionaram durante nas várias momentos. Os jurados levaram apenas uma hora para decidir o veredicto: culpados de todas as acusações atribuídas a eles.
Depuseram Fernanda Chaves, assessora de Marielle; Marinete Silva, mãe de Marielle; Mônica Benício, viúva de Marielle; Ágatha Arnaus, viúva de Anderson; Carlos Alberto Paúra Júnior, policial civil que investigou o carro usado no crime; Luismar Cortelettili, agente da Polícia Civil do Rio; Guilhermo Catramby, delegado da Polícia Federal; e Marcelo Pasqualetti, policial federal. Carolina Rodrigues Linhares, perita criminal, não compareceu, e foi exibido um vídeo da oitiva em que participou nas fases iniciais do processo.
Nos depoimentos, os familiares de Marielle e Anderson destacaram o impacto causado pelos assassinatos na época e como eles continuam repercutindo em suas vidas. A fala de Ágatha Arnaus foi uma das mais emotivas, ao indicar como a morte do marido prejudicou o desenvolvimento do filho, que possui uma condição rara de saúde.
“O Arthur passava mal todo dia 13 ou 14 do mês, depois da morte do Anderson. Acho que muito também por ver na televisão e pelo jeito que eu chegava em casa. Ele já tinha perdido o pai. Eu estava resolvendo outras coisas também relacionadas à morte. Momento que ele ficou sem o pai e sem a mãe”, disse Ághata.
A vereadora Mônica Benício (PSOL), viúva de Marielle, chorou em diversos momentos do depoimento, e disse precisar de remédios e tratamento psicológico até hoje para lidar com a perda. Questionada pela promotoria sobre o engajamento de Marielle em questões fundiárias, uma das possíveis causas para o assassinato, Mônica confirmou que eram pautas prioritárias na atuação política da vereadora.
“Eu sou arquiteta e urbanista de formação, então essa pauta sempre me interessava e acompanhava, ouvindo um pouco mais de perto. Marielle tinha uma companheira arquiteta e urbanista, e ela estava no mandato justamente para discutir o direito à cidade, de maneira interseccional. E Marielle também defendia o direito à moradia digna na perspectiva da favela e da periferia”, disse Mônica.
Depoimento dos acusados
Durante o interrogatório, realizado de forma remota, o ex-policial militar Ronnie Lessa, de 54 anos, disse que recebeu, primeiramente, uma oferta para assassinar o ex-deputado federal Marcelo Freixo (hoje no PT, à época do crime, correligionário de Marielle no PSOL), atual presidente da Embratur.
“O assunto começou no final de 2016. Surgiu a oferta com a seguinte palavra: você vai ficar milionário. Em janeiro, estive com a pessoa novamente, e ela veio trazer um nome que eu tive que rir”, disse Ronnie. “Ele era um político e eu achei inviável, achei que fosse uma loucura”.
Ronnie também disse que ouviu dos mandantes que o motivo para assassinar a vereadora era uma questão fundiária.
“Na época, me foi dito que ela atrapalharia, entraria no caminho e atrapalharia a venda de dois loteamentos. Um dos loteamentos seria para o Macalé [ex-PM Edmilson Oliveira da Silva] e o outro loteamento seria dos mandantes. Não sei se iam distribuir”, disse Lessa.
Élcio Queiroz depôs em seguida. Ele afirmou que, na virada de ano de 2017 para 2018, Lessa lhe contou que estava envolvido em um trabalho de execução por encomenda, que o alvo seria uma mulher e que, inclusive, já tinham tido a oportunidade de matá-la mas não conseguira.
Queiroz contou ainda que foi convidado por Lessa para participar do assassinato apenas no dia do crime. De início, ele não sabia que seria um homicídio, apenas que precisaria dirigir para o parceiro, em um “trabalho”. Ele destacou ainda que chegou a receber uma foto de Marielle com outras mulheres, mas, até então, não conhecia a vereadora.
Apenas depois de se encontrar com Ronnie Lessa, na Barra da Tijuca, e chegar ao centro da cidade, onde começariam a colocar em prática o crime, foi que Élcio viu o companheiro pegando uma submetralhadora e ficou sabendo que o “trabalho” se tratava do assassinato da vereadora.
O crime
O crime foi cometido em 14 de março de 2018. Nesse dia, Marielle participou de um compromisso na Casa das Pretas, na Lapa, centro da cidade. Quando o encontro terminou, a vereadora saiu com a assessora Fernanda Chaves, em carro dirigido pelo motorista Anderson. Quando passavam pelo bairro do Estácio, na Zona Norte, foram atingidos por treze disparos. Apenas Fernanda sobreviveu.
Ronnie Lessa e Élcio Queiroz estão presos desde 12 de março de 2019, e foram interrogados por videoconferência. Lessa está no Complexo Penitenciário de Tremembé, em São Paulo, e Queiroz, no Complexo da Papuda, em Brasília.
Suspeitos de serem os mandantes
Os acusados de serem mandantes dos crimes são os irmãos Chiquinho e Domingos Brazão, respectivamente, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) e deputado federal. O delegado Rivaldo Barbosa, chefe da Polícia Civil do Rio na época do crime, é acusado de ter prejudicado as investigações. Os três estão presos desde 24 de março desse ano, depois das delações premiadas de Élcio e Ronnie.
Há um processo paralelo contra eles no Supremo Tribunal Federal (STF), que julga os irmãos Brazão e o delegado Rivaldo Barbosa, por causa do foro. Também são réus no processo o ex-policial militar Robson Calixto, ex-assessor de Domingos Brazão, que teria ajudado a se livrar da arma do crime, e o major Ronald Paulo Alves Pereira, que teria monitorado a rotina de Marielle.
A motivação do assassinato de Marielle Franco, segundo os investigadores, envolve questões fundiárias e grupos de milícia. Havia divergência entre Marielle e o grupo político do então vereador Chiquinho Brazão sobre o Projeto de Lei (PL) 174/2016, que buscava formalizar um condomínio na Zona Oeste da capital fluminense.
MP pediu pena máxima
O Grupo de Atuação Especializada de Combate ao Crime Organizado para o Caso Marielle Franco e Anderson Gomes, do Ministério Público do Rio (MPRJ), vpediu ao Conselho de Sentença do IV Tribunal do Júri a condenação máxima, de 84 anos de cadeia, para os réus pelo assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.
Com Agência Brasil.