Já beirando os 80 anos, ao invés agir como um ancião previdente e usar o pouco tempo que me resta escolhendo um bom asilo ou, malandramente, ficar criando meios de enganar a Receita Federal para que meus herdeiros paguem menos impostos sobre a herança dos parcos bens que deixarei, tenho o vício de pensar. E quem pensa, analisa e racionaliza, permitindo-se projetar acontecimentos futuros.
Assim, com muita irresponsabilidade, farei uma previsão sobre o futuro político do Brasil, confiando de que não viverei tempo suficiente para comprovar, ou não, o acerto da minha tese. Dito isto, fico à vontade para escrever sobre um entendimento que vem tomando corpo no meu cérebro e que, pelo que tenho lido e ouvido, já está deixando outras pessoas inquietas pela mesma percepção. Sem desmerecer os que poderão se regozijar com a minha conjectura, me coloco frontalmente ao lado daqueles que estão desassossegados e preocupados com ela.
Alerto que o meu ateísmo não tem o monopólio da verdade. Aceita e convive muito bem com a diversidade religiosa, portanto, esta minha antevisão do nosso futuro político não tem qualquer conotação de preconceito ou preferência religiosa.
Entendo que a igreja católica não se modernizou e continua a manter os sacerdotes num altar, a dezenas de metros afastados dos seus fiéis. Os padres, de um modo geral, vivem distantes dos devotos e quase que só ouvem suas queixas, dúvidas e problemas na formalidade das confissões. Essas, concretamente, são entendidas como julgamentos punitivos pelos pecados e não como ferramenta de apoio, compreensão e orientação.
Talvez por isso, não é novidade que, no Brasil, nos últimos anos, as igrejas que representam o movimento neopentecostal têm crescido aceleradamente por conta de um grande trabalho de assistência social, aliado ao apoio espiritual dado a um povo empobrecido e sem muitas esperanças no mundo terreno. Isso é legitimo, legal e democrático.
Há muito tempo que os observadores mais atentos vêm percebendo que, paralelamente ao crescimento dessas igrejas, existe e evolui um projeto de poder político dos povos evangélicos, cristalizado por um número cada vez maior de pastores e seguidores que concorrem e se elegem para cargos públicos em todos os níveis.
Claro que alguns políticos profissionais, em atitude condenável, fingem se converter e adotam o neopentecostalismo com a finalidade única de angariar votos dos adeptos do mesmo credo. Não obstante, esses são minorias e não deslegitima o direito de líderes religiosos atuarem politicamente na defesa dos interesses de seus eleitores.
Contudo (sempre tem alguma conjunção adversativa para criar o contraditório), cabe perguntar: Sendo o Brasil, constitucionalmente, um estado laico, é válido usar o prestígio das igrejas neopentecostais para eleger seus representantes?.
Respondo: seria inválido se o Brasil fosse realmente um estado laico. E eu acho que não é. E questiono: Como pode ser laico um estado que oficializa feriado no dia de Nossa Senhora Aparecida, titulada – pasmem! – de Padroeira do Brasil? Todavia, registre-se, respeitando essa pseudo laicidade constitucional, os evangélicos, até agora, respeitaram a separação da igreja com a política.
Ultimamente, entretanto, essa postura tem sido abandonada e alguns discursos de evangélicos influentes tem tornado claro que, para eles, a separação entre igreja e política é um erro a ser corrigido e que, doravante, as suas posições políticas e intenções de poder serão claramente explicitadas. E por que não? Se no Congresso Nacional já existe a Frente Nacional Evangélica com 228 integrantes: 202 deputados federais e 26 senadores, distribuídos em vários partidos políticos, é de supor que, concomitantemente com o crescimento das igrejas, no futuro haja um número cada vez maior de parlamentares do mesmo credo.
Constatamos que esse movimento é o resultado de um planejamento bem-feito e exitoso. Se algumas pedras de Sísifo (atuação de pastores acusados de corrupção no MEC, é um exemplo) provocaram mudanças no caminho traçado, não chegaram a atrapalhar a marcha ou mudar o objetivo a ser alcançado. Coerentemente com essas afirmações, lembro que os evangélicos têm demonstrado muito poder, seja ocupando ministérios ou elegendo governadores e prefeitos, além de aprovarem isenções de impostos por bens e serviços, para suas igrejas e entidades de caridade.
Diante disso, caso as cataratas naturais da velhice não estejam embaçando minha visão, vislumbro com muita nitidez a possibilidade de, em um futuro nem tão distante, a bancada evangélica atingir maioria suficiente para propor, dentro das regras democráticas e constitucionais vigentes, uma reforma constitucional transformando a atual República Democrática Brasileira em uma República Teocrática.
Assim, concluo que, continuando a situação atual, em uma ou duas décadas, para o bem ou para o mal, o Brasil será gerido por ações políticas, jurídicas, policiais, de ética e conduta moral, baseadas e obedientes a uma doutrina religiosa. E essa doutrina certamente não será ligada ao hinduísmo, catolicismo, budismo, espiritismo, islamismo, judaísmo ou qualquer religião de origem africana.
Realmente é de preocupar, o crescimento deste combo político/neopentecostais, nos últimos anos , principalmente pela isenção destas igrejas que financia e elege com campanhas milionárias seus expoentes, apesar de que os votantes tem que esperar o seu cêntuplo, só no reino do céu, aqui desnutrição , moradias péssimas sem saúde e nem educação de qualidade.
Alfeu, muito boas as suas considerações.
Só uma correção:
Na sua Apresentação coloque que, além de Ex-Presidente da Petrobras, vc é também Amigo do Joel Bonifácio.
🤣🤣🤣🤣🤣🤣🤣🤣🤣
Trata-se de um cenário bem provável vis-a-vis o que vem acontecendo na Europa especialmente na França.
Alfeu como sempre nos brinda com o seu conhecimento histórico , humor privilegiado , inteligência rara e sofisticada . Saiu de Garanhuns , levando na boleia do caminhão uma vontade enorme de conhecer o mundo , a vida . E foi.
Terrível pensar que estamos caminhando sim, para uma possível República Teocrática , com evidências bem demonstradas . O que podemos fazer de concreto , aqui e agora ?
Este ano teremos eleições municipais . Já escolheu os seus candidatos ? Democracia de cima pra baixo. Parece besteira mas não é ! Pensem nisso
Concordo com suas considerações e previsões. Acredito que esse tempo de uma ou duas é muito. Como sempre, o seu texto é irretocável.
Seu texto, como sempre, tão lúcido e reflexivo, me leva a concordar com esse futuro tão sombrio que, espero, não verei.
Alfeu, você materializou o meu pensamento, dando-lhe forma e visibilidade.
Esse crescimento religioso, quaisquer que sejam as religiões, me preocupa muito.
Eu acho que o laicismo constitucional foi uma conquista.
Mas parece que essa vaga de atraso que o mundo vem sofrendo, provocando um retrocesso na humanidade, trazendo a de volta da Idade Média , vai transformar todas as nações do mundo em governos teocrático, como você está prevendo.
Espero não estar mais aqui para assistir.
Você acabou de nos oferecer mais um excelente texto. Eu acho que você vai ser rebaixado de idade, e retirado da fila de idosos!
Um abraço nordestino!
Colocações cirúrgicas! Perfeito!
Texto maravilhoso, como sempre! Leitura por demais agradável, o autor conquista o leitor; no meu caso, a leitora.
Quanto ao mérito, está mais para profetização do que entendimento pessoal. No movimento do dia 25, a ex primeira-dama já falou em parar de dissociar política e religião… É iminente, Alfeu. E você ainda vai ver, Se Deus quiser vai vever muito ainda.
Excelente texto Alfeu.
Bastante reflexivo e condizente a realidade.
Espero aqui tantos outros.
Mais uma vez parabéns e obrigado por despertar as minhas reflexões. 👏👏👏👏👏👏👏👏