Com o lançamento da nova divisão de elite armada da Guarda Municipal do Rio e a tramitação da PEC da Segurança Pública, que pretende transformar as guardas em forças oficiais de segurança, não demorou para que outros municípios do estado começassem a pensar medidas semelhantes. Maricá e Niterói, por exemplo, já estão nesse caminho, mas especialistas alertam que essa nova tendência política pode alcançar até mesmo cidades do interior, como as regiões Serrana, Costa Verde, Sul e Norte Fluminense.
O prefeito Eduardo Paes (PSD) foi quem lançou a tendência no Rio. No dia 13 de junho, ele sancionou o projeto de lei complementar que regulamenta o uso de armas pela Guarda Municipal e cria uma divisão de elite armada. O novo grupo terá como atribuições o policiamento ostensivo, preventivo e comunitário em toda a cidade, além do porte de armas.
Maricá e Niterói seguem o caminho da Guarda armada
Outro prefeito que surfou na tendência foi Washington Quaquá (PT), de Maricá. Em um vídeo publicado nas redes sociais em 31 de março, o veterano da política fluminense anunciou que também pretende armar a Guarda Municipal. Quaquá classificou a iniciativa como uma “Ocupação democrática do território” e afirmou que o grupo contará até com fuzis e veículo blindado, o chamado “caveirão”.
Em Niterói, a discussão não partiu do prefeito Rodrigo Neves (PDT), mas o tema já chegou à Câmara Municipal. Em maio, os vereadores aprovaram, em primeira discussão, uma proposta de emenda à Lei Orgânica que redefine as funções da Guarda Municipal. A mudança abre caminho para o policiamento ostensivo e preventivo, considerado o primeiro passo para armar a corporação.
Diferenças entre municípios maiores e menores
Mas e se essa moda se espalhar também por municípios menores, como Miguel Pereira, Paraíba do Sul ou até mesmo os de médio porte, como Campos dos Goytacazes?
O próprio Eduardo Paes já demonstrou preocupação. Durante uma audiência na Câmara dos Deputados sobre a PEC da Segurança Pública, ele defendeu que a proposta leve em conta as diferenças entre os municípios, especialmente em relação ao porte e à complexidade dos problemas de segurança. Segundo Paes, as guardas devem ter atribuições e recursos proporcionais à realidade local, evitando, por exemplo, o acesso a armamentos pesados onde não há necessidade.
O que dizem os especialistas
Especialistas da área já observam esse movimento em torno das Guardas Municipais como uma tendência política em ascensão. Segundo Doriam Borges, professor do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), é possível que o armamento das guardas avance em todo o estado do Rio, seguindo uma tendência nacional que vem se intensificando nos últimos anos.
“Isso se deve a uma combinação de fatores políticos, institucionais e simbólicos. De um lado, há uma pressão social por respostas rápidas ao aumento da criminalidade, o que faz com que o armamento das guardas seja visto por muitos gestores como uma solução visível e de fácil apelo político. De outro, temos um contexto de expansão legal que favorece esse processo, como o Estatuto Geral das Guardas Municipais, aprovado em 2014, e agora a PEC da Segurança Pública”, afirmou o professor.
É provável que a tendência chegue ao interior
Borges acredita ainda que é bastante provável que cidades menores do interior do estado também optem por armar suas guardas nos próximos anos. Segundo ele, essa tendência já ocorre em outras regiões do país, com destaque para municípios com menos de 10 mil habitantes, que, de acordo com a pesquisa Munic/IBGE, registraram um aumento de quase 100% no número de guardas armadas entre 2019 e 2023.
“O que está em jogo aqui é uma combinação de três fatores. O primeiro é o apelo político que o armamento da guarda tem junto ao eleitorado, especialmente em contextos de insegurança crescente. Prefeitos e candidatos locais veem essa medida como uma resposta rápida e eficaz para demonstrar ação na área de segurança. O segundo é o desconhecimento generalizado da população sobre as atribuições legais das guardas municipais”, explica.
Esse desconhecimento, segundo ele, facilita a aprovação de políticas que muitas vezes extrapolam os limites constitucionais desses órgãos. Por fim, o professor aponta como terceiro fator o incentivo indireto promovido por políticas federais dos últimos anos, especialmente durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que flexibilizaram as regras sobre o porte de armas e impulsionaram a indústria bélica no país.
Desafios da medida
Quanto à aplicabilidade da medida, Doriam Borges faz importantes ressalvas. Ele reconhece que pode haver um benefício no aumento da capacidade de resposta da guarda em situações pontuais de risco, mas avalia que “os desafios superam, e muito, os possíveis ganhos”, tomando o caso do Rio como exemplo.
“No caso do Rio, a Guarda enfrenta problemas estruturais graves: baixos salários, efetivo reduzido, infraestrutura precária e ausência de plano de carreira. Armar a corporação nesse cenário pode aprofundar desigualdades internas, expor ainda mais os agentes a riscos e gerar conflitos institucionais com a Polícia Militar e Civil. Além disso, ao priorizar o armamento, as prefeituras deixam de investir em políticas preventivas e de mediação de conflitos”, conclui.