Quem me conheceu já adulto tem dificuldade em acreditar, mas eu fui um menino e um rapaz muito tímido. Na adolescência, ao me comparar com meus amigos, nitidamente eu ficava para trás. Era sempre o último a ser convidado para festas e passeios. O mesmo ocorria na formação de grupos para trabalhos escolares. Ao completar 20 anos, já na faculdade, percebi que a maioria dos meus colegas de turma já estagiavam em empresas, alguns eram até professores em renomados colégios e eu, sem me expor, era apenas um bom aluno.
Entendendo que o meu futuro dependeria do exercício da profissão que eu havia escolhido e que, para bem exercê-la, ou até para “conseguir” exercê-la, eu precisaria enfrentar aquela timidez que me impedia de ser igual aos outros, ou até superá-los, revoltei-me comigo mesmo e assumi que tinha que vencer aquilo. E parti para a luta mais difícil e solitária da minha vida.
Como naquele tempo eu não tinha nem dinheiro, nem conhecimento para fazer terapia, que nem era coisa comum naquela época, o método que adotei naquele propósito foi o de forçar a barra em tudo aquilo que me deixava acanhado de fazer ou enfrentar.
Se antes, envergonhado de procurar assento com as luzes acesas, achando que toda a plateia estaria olhando para mim, eu só entrava nas salas dos cinemas após o início das sessões, passei a caminhar até desnecessariamente, entre as cadeiras, ir até as primeiras filas junto da tela e voltar. Sentia um enorme calor no rosto ruborizado, mas insistia. Bobagem, percebi depois, ninguém estava olhando para minha insignificância.
Similarmente, andar nos ônibus urbanos era um enorme sacrifício. Antigamente, a entrada nos ônibus era pela porta traseira, então o idiota aqui ficava em pé lá atrás, acanhado de andar até algum banco vazio na dianteira. Comecei a me autoconvencer de que eu era um tipo tão comum que podia passear dentro do veículo sem despertar a atenção de ninguém. Era verdade, deu certo.
Falar em público era um suplício mortal, mesmo que fosse para perguntar algo ao professor durante as aulas. Como parte da minha autoterapia comecei a perguntar, e a expor ideias e opiniões, com tão exagerada frequência que, fui alertado por um colega, já estava me transformando num chato exibicionista. Ainda bem que fui alertado e me controlei.
Nas lojas eu morria de vergonha dos vendedores, e comprava o que me oferecessem, sem jeito de dizer que não gostara do produto.
Dançar? Se antes eu só chamava alguma garota para dançar após beber algumas doses e com o salão já lotado, de modo a passar desapercebido entre os casais, eu me violentava e era o primeiro a entrar no salão. O sofrimento era enorme e a dança não me dava nenhum prazer. Era como um remédio amargo, e eu o tomava.
Demorou, mas venci aquela timidez doentia que só me prejudicava e, de algum modo, estava me levando a um complexo de inferioridade. Todavia, só vim a ter consciência da minha vitória quando pessoas, que me conheceram mais tarde duvidaram e, até hoje, não acreditam que, em algum momento da minha vida, eu tinha sido muito tímido.
Entretanto, a minha experiência tem me mostrado que a cura total e definitiva da timidez é um sonho. Não existe. De vez em quando percebo um sinal de recaída.
Nessas horas eu reajo, aumento a altura da voz, estico a conversa, gesticulo, mostro mais interesse do que o assunto merece e os sintomas desaparecem. É raro, mas acontece nos momentos mais inesperados, e sem nenhuma razão que justifique a crise. Por isso, eu concluo afirmando que timidez é como uma doença autoimune. Sem cura. Você pode controlar a danada, mas ela está sempre presente, camuflada, espreitando sorrateiramente uma queda na sua imunidade.