Como a didática nunca foi o meu forte, vou tentar descrever suscintamente as etapas de um projeto de produção de um campo de petróleo, contando com a ajuda da inteligência e compreensão de meus dois ou três leitores. Prometo fugir do tecnicismo complexo que envolve a matéria. Então, vamos em frente?
Uma vez descoberta a rocha impregnada de petróleo (tecnicamente chamada de Reservatório), são efetuados vários testes para delimitar o volume da jazida (campo de petróleo). O petróleo originalmente está preso nos poros da rocha, normalmente submetida a grandes pressões por conta da profundidade onde se encontra. Os poços servirão de caminho entre a rocha e a superfície. Isso fará com que o petróleo (mistura de óleo e gás) que estava comprimido sob a alta pressão, possa se expandir e fluir para as instalações construídas na superfície. Essas instalações, que são projetadas atendendo as especificações de vazão e características físico-químicas do petróleo a ser produzido, servem para fazer a separação dos fluidos: óleo e gás.
Considerando que essa é uma atividade econômica de capital muito intensivo (falamos aqui de projetos que podem exigir investimentos da ordem de 5 a 10 bilhões de dólares em sua fase inicial) e longo prazo de implantação (raramente inferior a 6 anos), fica claro que o risco do investimento é muito alto, exigindo conhecimentos técnicos complexos, feitos por geólogos e engenheiros especializados na Engenharia dos Reservatórios. Esse pessoal delimita o tamanho do campo e faz estudos onde são consideradas as características da rocha e do petróleo: porosidade, permeabilidade horizontal e vertical, transmissibilidade, temperatura, pressão, tensão superficial, densidade, viscosidade, relação entre os volumes de gás e óleo (RGO), volume e geometria da rocha, entre outras.
De posse desses dados, são feitas simulações e desenvolvidos modelos matemáticos que projetam o comportamento da produção ao longo dos anos. Sabe-se que, se nada for feito, a produção fará com que a pressão do reservatório decline rapidamente, trazendo, em consequência, a redução da produção diária, até a sua total paralisação. Nesses casos, consequentemente, muito petróleo ainda existente no reservatório deixará de ser produzido. Para evitar isso e garantir uma produção que remunere o capital investido e os custos operacionais, a engenharia desenvolveu técnicas para manter a pressão na rocha e, assim, prolongar a vida do projeto por muitos anos, garantindo a sua rentabilidade.
Com esse objetivo, duas técnicas são mundialmente consagradas: injeção de água ou de gás. Na segunda alternativa, usa-se o próprio gás produzido junto com o óleo. E quem decide qual dos dois métodos é o mais adequado para um determinado campo? É a natureza. São as características próprias da rocha e do petróleo que, submetidos aos diversos algoritmos aplicados nos estudos, que definem qual o fluido a ser injetado e quais os volumes, pressões e posições, para maximizar a produção do campo.
Então, de posse de todos esses estudos, as empresas operadoras elaboram um Plano de Desenvolvimento do Campo (PDC), que é submetido à aprovação da Agência Nacional de Petróleo (ANP), órgão com competência técnica e legal para aquele mister. Confirmados a autenticidade dos estudos, a ANP autoriza a produção do campo e, ao longo dos anos, fiscaliza se a empresa autorizada cumprirá fielmente o plano aprovado.
Se fui claro até aqui, ficou bem entendido que, independentemente de vontades políticas ou desejos de autoridades, as características do reservatório, rocha e petróleo é que determinam os volumes diários de produção e de injeção, que definem a viabilidade econômica da exploração de qualquer campo de petróleo. E por que escrevi isso?
Porque recentemente o Congresso Nacional aprovou, e o presidente Lula sancionou, o PLV-10/2025 (PLV=Projeto de Lei de Conversão) que atribui ao CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) as prerrogativas de “estabelecer diretrizes para maximizar o aproveitamento da produção de gás natural e de DEFINIR LIMITES DE INJEÇÃO de gás para os blocos a serem objeto de concessão ou partilha de produção.”
Evidentemente, a intenção dos legisladores é aumentar a disponibilidade do gás natural como insumo estratégico para a matriz energética e para a indústria, e isso é muito legítimo. Acontece que essa decisão carece de uma análise mais profunda e não se sustenta tecnicamente. A ANP, sim, tem competência técnica para avaliar a viabilidade econômica e geológica dos projetos. O CNPE definindo limites de injeção de gás, priorizará a política de oferta do energético ao mercado, mas interferirá nos parâmetros que definiram o projeto e, certamente, reduzirá a sua economicidade. No limite, poderá torná-lo inviável. E aí, não haverá o desejado gás para o mercado. Nem óleo cru.
Em outras palavras, e resumindo: o CNPE não deveria decidir sozinho sobre limites de injeção de gás, porque essa é uma questão técnica muito complexa, que depende muito mais da natureza do que da vontade dos homens.
Essas minhas considerações não significam que a ANP e o CNPE não possam conviver. Pelo contrário. Na minha visão, o CNPE tem legitimidade política para definir diretrizes, mas não tem a competência técnica para interferir nos projetos e análises das companhias operadoras e da ANP. Assim, competiria ao CNPE definir as “metas” de oferta de gás para o Brasil, restando às empresas e a ANP colocar essas metas entre os parâmetros dos projetos dos novos campos de petróleo, tentando atingi-las sem inviabilizar a economicidade da produção. Com isso, seria possível equilibrar os dois objetivos: segurança energética e viabilidade econômica dos projetos.

