Acordar atrasado em Niterói, no limite da hora para pegar a barca para trabalhar no Rio. Não dá tempo de tomar café da manhã. Sem problemas! Na viagem dá para pedir aquela média com um apetitoso pão na chapa. Esta era a realidade de muita gente há pouco mais de dez anos, quando havia o “Café da Barca”
Tudo bem que, hoje, existem lanchonetes nas estações das barcas, mas não é a mesma coisa do que pedir aquele lanche esperto no quiosque, em meio ao balanço das águas da Baía de Guanabara, e sentar no seu lugar para saborear um sanduíche ou um salgado.
Nas embarcações mais antigas (Gávea I, Ingá II, Urca III e Neves IV), os quiosques desativados no convés superior ainda persistem como uma memorabília de um passado não tão distante. Já nas mais novas (Pão de Açúcar, Itacoatiara e Corcovado) não existe a estrutura, deixando subentendido que os serviços de bordo oficiais devem seguir apenas na memória.
De Silvio Santos ao ‘Café da Barca’
O historiador Rafael Mattoso, responsável pelo estudo do acervo da exposição “Navegando em Memórias”, realizada na Praça Quinze no começo desde ano, explicou sobre a história do comércio formal dentro das embarcações. Ele conta que a oficialização da prática começou a partir de 1861, quando novas barcas, de fabricação norte-americana, chegaram ao Rio.
“Então a partir de meados do século XIX a gente já tem essa presença, algo que foi crescendo muito no início do século XX, principalmente a partir dos anos 30, 40. Então a ideia de ter espaços para café, para pequenos lanches ao longo dessa travessia, principalmente a de Niterói, foi se popularizando”, disse.
Um dos grandes expoentes do serviço de bordo nas barcas foi ninguém menos do que Silvio Santos. Antes de explodir como estrela da TV, o então camelô montou um serviço de alto-falantes no qual quem comprava uma bebida ganhava uma cartela de bingo. Com o sucesso da iniciativa, os bares e bingos se popularizaram no sistema aquaviário, em meados dos anos 1950.
“Basta lembrar que um personagem emblemático da nossa história cresceu e se desenvolveu economicamente fazendo esse transporte, o grande Silvio Santos”, acrescentou Mattoso.

Ao longo dos anos, a atividade evoluiu para os quiosques. No entanto, cerca de uma década, o serviço foi descontinuado. Para Mattoso, isto se deve a uma série de fatores como, por exemplo, a crise que os transportes marítimos sofreram com a busca de concessões público-privadas.
“Muitas vezes a própria concorrência, onde as estações centrais já têm determinados grupos explorando o comércio de produtos alimentícios, às vezes inviabilizava dentro da barca essa atividade. E também com barcas mais modernas que diminuíram o tempo de circulação, sobretudo entre Rio de Janeiro e Niterói, fazendo com que essa viagem seja executada em poucos minutos”, explicou.
O que fazer com os quiosques
Hoje em dia, os quiosques nas embarcações estão desativados o comércio a bordo é feito apenas por ambulantes informais. Rafael Mattoso deu algumas sugestões para dar aproveitamento aos espaços. Para ele, uma série de utilidades públicas podem acontecer nesses espaços, desde pequenas exposições, tendo até mesmo um calendário de atividades.
“Eu acredito que esses espaços têm uma grande utilidade, sobretudo uma utilidade cultural importantíssima. A possibilidade de você ter ali a disponibilidade de livros, uma espécie de biblioteca de acesso popular para as pessoas poderem fazer aquisição ou até mesmo a leitura durante o período das viagens. Pequenos espaços com informações turísticas das localidades do Rio de Janeiro e também informações históricas podem ser dadas ali”, pontuou.
O TEMPO REAL perguntou tanto à concessionária Barcas Rio quanto à Secretaria estadual de Transportes se existe algum plano de aproveitamento para os quiosques, mas, até o fechamento deste texto, não havia sido encaminhada resposta.