A crise anual nos repasses do Fundo Estadual de Saúde aos municípios começou cedo em 2025. Primeiro, foi o prefeito de Campos dos Goytacazes, Wladimir Garotinho (PP), que recorreu à Justiça para receber as parcelas em atraso. Na semana passada, foi a vez de o secretário de Saúde do município do Rio, Daniel Soranz, ameaçar parar o atendimento de saúde ao sistema prisional, porque estava há três meses sem ver o dinheiro. Até hoje (e estamos em agosto), a Prefeitura do Rio ainda não recebeu um centavo do cofinanciamento dos hospitais municipalizados Rocha Faria, Albert Schweitzer e Pedro II.
“Não teremos como sustentar o atendimento da região. Somos um polo de saúde e teremos que fechar as portas para todos. Vamos colapsar”, disse o prefeito Wladimir, ao buscar a ajuda da Justiça.
No fim de julho, pressionada pela decisão judicial, a Secretaria estadual de Saúde publicou uma resolução restabelecendo o cofinanciamento para a Saúde de Campos. Segundo o texto, o município vai receber o valor estimado em R$ 66.261.393,96.
“Republicaram a portaria, mas ainda não pagaram. Mas existe uma promessa de que os recursos serão repassados essa semana”, contou o prefeito.
Um levantamento feito pela Prefeitura do Rio mostra a desigualdade entre os valores repassados aos municípios. Em 2024, entre as 92 cidades fluminenses, a capital ficou em 70º lugar, quando o critério foi o repasse per capita (R$ 48,37). A secretaria estadual sempre argumenta que, por outro lado, é no município do Rio que fica a maior estrutura de atendimento de saúde prestado pelo governo do estado — por isso, o repasse pode ser menor, já que o trabalho é dividido entre os dois entes federativos. São 16 UPAs; o Samu, dois hospitais gerais (Getúlio Vargas e Carlos Chagas) e vários institutos estaduais na cidade.
“Mas temos, hoje, mais de 400 pacientes regulados para o estado internados em nossas unidades, esperando uma vaga na rede deles”, disse Soranz na última quinta-feira (31). “E atendemos a pacientes de várias cidades, não só do Rio”, protesta o secretário.
Prefeitos temem represálias, caso reclamem da falta de repasses na Saúde
Mas o problema não é só com o Rio.
Em 2025, Mesquita, cidade da na Baixada Fluminense que nem de longe conta com tamanha estrutura da Secretaria estadual de Saúde, ficou na 89ª colocação no ranking dos recursos recebidos, entre os 92 municípios. Até agora, foram R$ 7 por habitante. O prefeito Marotto Miranda lembra que, mesmo assim, a cidade se esforça e tem o melhor desempenho na Saúde da Região Metropolitana.
“É muito triste ver a desigualdade no repasse das verbas estaduais da saúde aos municípios do estado, sobretudo aquelas que foram pactuadas entre os membros da Comissão Intergestores Bipartite, o que demonstra profundo desrespeito à decisão do colegiado”, disse Marotto.
O prefeito — que, aliás, é filiado ao mesmo PL do governador Cláudio Castro — diz que os critérios não devem ser políticos.
“O financiamento da saúde pública não pode ser tratado como moeda de troca. Estamos falando da vida das pessoas. E quando se usa a verba pública para fazer política miúda, quem paga o preço mais alto é o cidadão. Nenhuma cidade que trabalha com seriedade, buscando resultados concretos e a efetividade da saúde pública, merece ser punida por não apoiar interesses eleitorais de quem tem o dever de agir com impessoalidade. No nosso caso aqui de Mesquita, isso se torna ainda mais grave, pois somos o município de melhor desempenho na saúde básica em toda a Região Metropolitana, vide o ranking do Previne Brasil, que mede justamente isso e o qual lideramos”, protestou o prefeito.
Outros gestores também estão muito incomodados com a falta de critérios. Mas há quem tema reclamar — e ainda ser mais prejudicado por isso. Um dos prefeitos mais prejudicados disse estar negociando para receber os atrasados, e tem medo de ver a conversa “andar para trás” se fizer muito barulho.
“O repasse poderia ser maior, por óbvio, tomando por base o tamanho da nossa população. A distribuição dos recursos não obedecer a critérios técnicos é lamentável”, diz um outro prefeito, responsál por uma cidade da Costa Verde, que também pediu para não ser identificado por temer represálias.