Durante a pandemia andei escrevendo coisas soltas, crônicas, memórias, contos, opiniões e algumas futurologias. A maioria daqueles textos estão no livro Imodestas Reflexões, publicado na Amazon Kindle, mais por vaidade do autor do que pela esperança de atrair leitores. Por isso, fui surpreendido pela pergunta do Caladinho, quando retornei aos amigos no geriátrico chope semanal depois de algumas semanas de abstenção “por motivos alheios a minha vontade”, como justifiquei com zero de originalidade.
Sim, fui surpreendido quando o Caladinho me perguntou se eu estava acompanhando o noticiário acerca da mudança de comportamento de várias e importantes empresas, que começaram a abandonar as políticas de diversidade. E mais surpreso eu fiquei quando ele lembrou de que eu tinha previsto isso no Imodestas Reflexões. Não, eu não estava acompanhando o assunto, respondi. Mas fiquei feliz em descobrir que tinha um leitor, e leitor atento, bem-informado!
Confesso que não me lembrava exatamente o que tinha escrito e, por isso, tão logo cheguei em casa, busquei e encontrei:
“…Milton Friedman, argumentava, com muita franqueza, que as corporações não têm de ser responsáveis com a sociedade. Sua única responsabilidade, defendia ele, é enriquecer os acionistas e a si próprias. Por tudo isso, continuo com um pé atrás ao ouvir tradicionais empresários elogiando as empresas da atualidade, ditas ESG (Environmental, Social and Governance). Acredite quem quiser na sinceridade dessa turma”.
Curioso, procurei as publicações recentes sobre essa nova postura de grandes empresas que alardeavam suas adesões ao movimento ESG, e encontrei algumas informações interessantes.
Há algum tempo, o presidente mundial da Microsoft proferiu: “Nossa cultura precisa ser um microcosmo do mundo, um lugar onde a diversidade de cor, gênero, religião e orientação sexual seja compreendida e celebrada.” Isso dito por Satya Nadella, um indiano, imigrante, que galgou o posto mais alto de uma das mais importantes companhias do mundo, soou como um manifesto a favor da inclusão.
Há poucos dias, todavia, a revista VEJA informou que a aquela empresa contrariou o que disse o seu CEO e fechou a sua diretoria de diversidade. E demitiu os funcionários que nela trabalhavam, informando que a política de inclusão “não é mais crítica para os negócios”.
A mesma atitude foi tomada pela Google e pelas Facebook, Instagram e WhatsApp que também cortaram seus programas de diversidade. O X (antiga Twitter) aderiu ao movimento e seu dono, Elon Musk, afirmou, cinicamente, como faz costumeiramente, que política de inclusão “é uma forma de socialismo corporativo”.
Em 2020, a empresa de videoconferências Zoom anunciou ao mundo a criação do cargo de diretor de diversidade. Durou muito pouco. Em 2022, a diretoria foi extinta e toda a equipe demitida.
Recentemente, a Ford recuou da promessa de se comprometer com programas de diversidade e inclusão. Igual decisão foi tomada pela Harley-Davidson.
O que aconteceu para essas mudanças em políticas tão incensadas do início da década? Qual a razão principal para esse retrocesso? Analisando cuidadosamente, percebi que não há uma só causa, mas duas se mostram predominantes. Ambas ligadas ao lucro, como era de se esperar.
Primeiro, no afã de reduzir custos, as empresas estão eliminando aquilo que foi considerado pouco efetivo para o retorno financeiro (e é muito difícil mensurar ganhos trazidos pela adoção da diversidade). Segundo, que os decantados benefícios à reputação das empresas adeptas do ESG estão sendo fortemente questionados pela crescente agenda negacionista dos ultraconservadores que assolam o mundo inteiro e, radicalmente, se opõem a preservação da natureza e ao respeito às diferenças entre as pessoas; e isso, para as empresas que insistem em ser ESG, se traduz em menos clientes, menos vendas, menos lucro.
Ou seja, sem nunca ter jogado búzios, nem cartas de tarô, acertei quando registrei a minha dúvida na sinceridade da turma do ESG. Eu acertei, mas preferia ter errado. Isso está longe de me deixar feliz.
Acompanho o relator. Também não me faz feliz esse retrocesso.
Excelente !
Vc é extraordinário nas suas colocações.
Só quem é muito antenado e de memória privilegiada tem como memorizar tudo isso pra fazer um texto tão esclarecedor.
Eu concordo, não há nada para ficar feliz. Mas pelo menos os Jogos Olímpicos de Paris 2024 foram uma celebração da inclusão!