A desapropriação de um imóvel onde por décadas funcionou um supermercado em Botafogo passou a gerar reação de moradores e do atual proprietário após a publicação de um decreto municipal que declara o terreno de utilidade pública para fins de renovação urbana. A medida, assinada pelo prefeito Eduardo Paes no fim de novembro, atinge um prédio na Rua Barão de Itambi e abriu uma disputa envolvendo a Prefeitura, o Grupo Sendas e a Fundação Getulio Vargas (FGV).
O imóvel abrigou por mais de 50 anos diferentes redes de supermercado e, segundo moradores da região, a expectativa era de retomada da atividade comercial no local. Cartazes foram colocados nesta semana em frente ao prédio com pedidos pela volta do mercado, visto como um serviço essencial para quem vive no entorno.

O decreto prevê a desapropriação por meio de hasta pública, mecanismo no qual o poder público arbitra o valor do imóvel e interessados disputam a compra. A intenção da prefeitura seria viabilizar a venda do terreno para a FGV, que planeja construir no local um prédio anexo à sua sede, voltado a pesquisa e tecnologia.
Em entrevista à rádio CBN, Eduardo Paes afirmou que a iniciativa surgiu a partir de um pedido da fundação. Segundo o prefeito, o projeto envolveria a criação de um centro de pesquisa ligado à inteligência artificial. Paes disse ainda que foi informado de que o supermercado estava desativado e que a decisão pode ser revista após análise mais detalhada da proposta. “Se for mais interessante para a cidade, nós vamos fazer”, declarou.
O Grupo Sendas, proprietário do imóvel, contesta a versão apresentada pelo prefeito. De acordo com Arthur Sendas Filho, o prédio estava alugado até recentemente ao Grupo Pão de Açúcar e já possui um novo contrato firmado com a rede Mundial, que pretende abrir uma unidade no local a partir de janeiro. Segundo ele, a troca de bandeira já havia sido autorizada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
O empresário afirmou ainda que tentou, sem sucesso, agendar reuniões com o prefeito para tratar do assunto e que enviou uma notificação extrajudicial à Prefeitura. A empresa avalia recorrer à Justiça por entender que há desvio de finalidade no decreto de desapropriação.
Outro ponto levantado pelo proprietário é que o prédio nunca esteve totalmente inativo. Um dos andares abriga uma academia, que segue funcionando normalmente. Sendas Filho disse também que já havia sido sondado no passado pela FGV sobre uma possível venda do imóvel, mas que não houve interesse em negociar.
A Fundação Getulio Vargas confirmou, em nota, o interesse no terreno e informou que a intenção é criar um centro de tecnologia e pesquisa em inteligência artificial com relevância nacional.
A medida também passou a ser questionada por representantes políticos da região. O vereador Pedro Duarte afirmou que a desapropriação não se enquadra em situações de interesse público imediato e defendeu a manutenção do supermercado, apontado como importante para a rotina dos moradores.
Prevista no Plano Diretor, a desapropriação por hasta pública já foi utilizada em outros casos na cidade, como na negociação de terrenos no Centro e na área destinada ao futuro estádio do Flamengo, no Caju. Em Botafogo, no entanto, a iniciativa reacendeu o debate sobre o impacto urbano da decisão e a retirada de serviços considerados essenciais para o bairro.

