Mesmo com o título de Capital Mundial do Livro 2025, concedido pela Unesco, as livrarias do Rio ainda enfrentam um cenário desafiador para manter as portas abertas. A cidade, que a partir deste mês se torna a primeira de língua portuguesa a receber essa honraria, convive com o avanço do comércio eletrônico, a alta carga tributária e a falta de políticas públicas eficazes para proteger o setor livreiro.
De acordo com o levantamento mais recente da Associação Estadual de Livrarias do Rio (AELRJ), publicado no Guia de Livrarias do Estado, a cidade contava com apenas cerca de 120 livrarias em funcionamento. Desde 2022, no Centro, — área com a maior concentração de livrarias — o saldo foi negativo: nove livrarias fecharam e apenas seis foram inauguradas no período.
Na Zona Sul, livrarias tradicionais como a Galileu, no Largo do Machado, e a Malasartes, no Shopping da Gávea, fecharam suas portas. Por outro lado, surgiram novos espaços, como a livraria Janela, também na Gávea, e a Casa 11, em Laranjeiras. Desde 2022, foram contabilizados quatro fechamentos e quatro inaugurações na região.
Capital Mundial do Livro
Nesta sexta-feira (11), no Real Gabinete Português de Leitura, no Centro do Rio, foi oficialmente lançada a marca “Rio, Capital Mundial do Livro”. O símbolo foi apresentado ao som de “Cidade Maravilhosa”, hino oficial da cidade, em um momento emocionante que marcou o início de um novo capítulo na história cultural carioca.
Essa é a primeira vez que uma cidade de língua portuguesa recebe o título da Unesco, que tem como objetivo promover a leitura, valorizar o livro e ampliar o acesso ao conhecimento. O Rio assume oficialmente a posição a partir do dia 23 de abril — Dia Mundial do Livro e dos Direitos do Autor — com uma programação intensa e descentralizada prevista ao longo de todo o ano.
Livrarias que fecharam suas portas
Livraria Galileu: Com mais de 30 anos de trajetória, a Livraria Galileu encerrou suas atividades em diferentes unidades da cidade. Na Tijuca, a loja foi fechada em janeiro de 2023, após 31 anos de funcionamento. A decisão foi motivada pela concorrência crescente com lojas virtuais e pela idade avançada do proprietário. Já no Largo do Machado, o fechamento ocorreu em novembro de 2023, após o falecimento de um dos filhos do fundador, que era responsável pela gestão da rede.
Livraria Malasartes: Fundada em 1979 no Shopping da Gávea, a Malasartes tornou-se uma referência em literatura infantil e juvenil. Ao longo de 45 anos de funcionamento, foi ponto de encontro para várias gerações de leitores. Em julho de 2024, porém, anunciou seu encerramento definitivo, citando a crise no mercado editorial e os impactos persistentes da pandemia como os principais fatores para a decisão.
Livraria Timbre: Também localizada no Shopping da Gávea, a Livraria Timbre atuou por 41 anos e destacou-se por sua curadoria cuidadosa e por promover eventos culturais. No entanto, em janeiro de 2021, encerrou suas atividades. As dificuldades financeiras agravadas pela pandemia, somadas à ausência de um canal digital forte de vendas, tornaram insustentável a manutenção da loja.
Livraria Arlequim: Situada no histórico Paço Imperial, no Centro do Rio, a Livraria Arlequim funcionou por 25 anos, combinando livraria e bistrô em um espaço singular. Reconhecida por seu acervo diversificado e intensa programação cultural, foi uma das muitas lojas afetadas pela crise no setor livreiro da região central. Seu fechamento, em maio de 2019, simbolizou uma perda significativa para a cena cultural carioca.
Livraria Carga Nobre: Presente por 35 anos no campus da PUC-Rio, a Livraria Carga Nobre atendia estudantes, professores e a comunidade universitária em geral. Em outubro de 2023, fechou as portas, impactada pela queda nas vendas de livros físicos e pela mudança no comportamento do consumidor, cada vez mais voltado para o comércio eletrônico.
O impacto do monopólio digital
Em fevereiro, o presidente da Associação Nacional de Livrarias, Alexandre Martins Fontes, relatou que livrarias no exterior continuam cheias e vibrantes — “uma festa”, segundo ele. No Brasil, no entanto, o setor sofre com a ausência de uma regulação mais firme, como a proposta da Lei Cortez, que tramita no Congresso Nacional.
“Não é uma lei de esquerda ou de direita; ela protege o ecossistema do livro e cria mecanismos para que ele funcione de maneira saudável”, afirmou Martins Fontes. Ele lembrou que países como Espanha e França aprovaram legislações semelhantes ainda no século passado — durante regimes políticos bem distintos — reconhecendo o risco que o livro corre diante dos monopólios.
A chegada recente do Mercado Livre à venda direta de livros ao consumidor tem sido apontada como mais uma ameaça ao já fragilizado ecossistema livreiro, dominado pela Amazon. Criado na Argentina em 1999, o Mercado Livre se tornou a maior plataforma de e-commerce da América Latina e hoje supera a Amazon em número de usuários e volume de negócios no Brasil.
“O Mercado Livre é poderosíssimo, tem um trabalho muito eficiente”, afirmou Rui Campos, da Livraria da Travessa. “Os descontos nos livros chegam a 40% ou 50%. Estão seguindo o mesmo caminho da Amazon: querem seus dados e um cadastro direto com o consumidor. É desastroso para o mercado. Se continuar assim, as livrarias vão desaparecer.”
Por fim, Martins Fontes pontua que, “nos países que não possuem uma lei como a Cortez, o livro é mais caro do que naqueles que a adotam”. Ele cita o caso dos Estados Unidos, onde a Amazon detém 50% do mercado — contra 18% na Alemanha, onde a regulação é mais rígida. A proposta limita o desconto de lançamentos a 10% durante o primeiro ano de venda — o que representa apenas 6% dos livros disponíveis no mercado, cerca de 13 mil títulos por ano no Brasil.