Houve tempos, caro leitor, em que o cardápio de pastéis do Bar do Adão oferecia 60 recheios diferentes. E era assim em todas as suas 19 lojas e franquias. Eu mesmo me lembro bem: o de presunto cru era o máximo da finesse… O “nobre”, de camarão, gorgonzola e castanha de caju, o mais caro. E o “boi chique”, de carne com gorgonzola, o meu preferido.
Hoje, a rede anda mais comedida. São “apenas” 40 opções. O downsizing veio de uma decisão estratégica típica das dores do crescimento de um negócio familiar quem, de repente, virou um business imenso, cheio de sócios, interesses, problemas e, de quando em vez, desavenças.
À frente desse nem sempre saboroso “caos” esteve, nos últimos 30 anos, a figura aí da foto: André Ferreira. Filho mais velho do seu José, que em 1991 comprou um velho e gasto botequim numa esquina qualquer do Grajaú, que pertencia a um português chamado Adão. Surgia aí o Bar do Adão, que naqueles tempos nem pastel tinha no cardápio. Aliás, nem cardápio tinha…
“Um belo dia, nessa de experimentar os gostos da clientela, começamos a servir pastel de queijo com orégano, receita do meu tio e feito pela minha mãe, mas só nos finais de semana. Foi aí que tudo começou”, lembra André, que depois de décadas liderando o processo de crescimento da rede hoje está de volta ao boteco original, na Rua Mearim.
E foi assim, meio que por acaso, que tudo na história do Bar do Adão começou a acontecer. Sem experiência nenhuma no ramo até então, foi por acaso que André decidiu, ainda nos idos de 1995, trabalhar com a família no boteco, depois de perder o emprego que tinha na indústria petroquímica. Ainda passou um tempo se arriscando como dono de restaurante em Saquarema até se estabelecer de vez no Bar do Adão e começar, pouco a pouco, a aumentar as opções de recheio dos pastéis e a complexidade do negócio.
“Nosso primeiro cardápio estabelecido de pasteis tinha quatro opções: carne, queijo, camarão e palmito. E ainda só aos finais de semana”, lembra André.
O empresário se recorda também de quando resolveu dar o salto que levou fama definitiva ao Bar do Adão. Foi em 2002, quando a crise econômica começou a empurrar a classe média para os botequins tradicionais, em busca de comida e entretenimento mais barato, e os botequins responderam com gastronomia cada vez mais criativa e com mais qualidade. Aí começaram as matérias de jornais, as críticas positivas… E, claro, o amor ancestral do carioca por pastel. Estava pronta a fórmula que fez o Bar do Adão decolar. Nesse vôo, antes das primeiras turbulências, o Adão do André e sua família registrou um tento histórico: em 2006, tornou-se o primeiro botequim da Zona Norte a abrir uma filial na Zona Sul, quando inaugurou com pompa e circunstância uma loja na Rua Dona Mariana, em Botafogo.
Nos anos seguintes, a fama do Adão se espalhou que nem rastilho, com filiais – e posteriormente franquias – em todos os cantos da cidade. Um fenômeno semelhante ao que hoje vive o bar Mané, que agora tem até uma feérica filial na Rua das Pedras, em Búzios.
Mas o crescimento excessivamente rápido trouxe problemas. Tanto que hoje a rede passa por um momento de readequações. Gastronômicas e societárias. Mas nada disso nem de perto é tão sério quanto a Covid que em 2021 quase levou André literalmente para o paraíso do Adão bíblico. Foram 30 dias de coma no hospital. Na volta, 30 quilos mais magro, menos cético e mais preocupado com as coisas mais simples da vida, parou até de beber e agora, enquanto toca o Bar do Adão do Grajaú de um jeito mais tranquilo, está em busca de um novo vôo mais autoral. Ao lado de alguns amigos, está prestes a abrir um gastrobar musical em Botafogo – dessa vez sem filiais! – focado em coquetelaria e petiscos um pouco mais sofisticados.
Mas os pastéis que fizeram a fama do Adão estarão, lá, é lógico.