Poucas coisas me são mais prazerosas do que perambular entre estantes e tabuleiros das livrarias, bisbilhotando os livros expostos, revendo títulos ou conhecendo novos autores. E olhando as capas. As capas dos livros me atraem por demais, o que me fez, algumas vezes, comprar livros que não me agradaram e que não mereciam ser lidos até o final. Aqui, abro um parêntese, para confessar o meu masoquismo literário: nunca deixei a leitura de um romance, por maçante que fosse, pelo meio. Sempre fui até o final, alimentando a esperança — que ocorreram poucas vezes — de que o autor transformasse a chatice em um final surpreendente e deleitoso.
Pois bem, há cerca de um mês, já saindo de uma livraria, a capa de um livro chamou minha atenção. O título inusitado aumentou meu interesse: “A elegância do ouriço”. Romance francês de autora que desconhecia, Muriel Barbery. Fiquei, tal qual o personagem de Chico Anisio, na “Escolinha do Professor Raimundo”: comprar ou não comprar? Por que comprar? Por que não comprar? Comprei.
‘A elegância do ouriço’ encanta pela delicadeza e provoca pela profundidade
E comprei atrasado, de vez que o romance é de 2006. Foi publicado pela Companhia das Letras em 2008, com primorosa tradução de Rosa Freire d’Aguiar. E por que atrasado? Ora, porque o livro é muito bom! Aquela capa foi uma serendipidade! É um romance que encanta pela delicadeza e provoca pela profundidade. Muriel Barbery constrói uma narrativa que mistura filosofia, crítica social e lirismo. O livro mostra o quanto de beleza pode ter em vidas comuns.
A história se passa em um condomínio elegante de Paris. Lá vivem Renée, a concierge culta que esconde essa qualidade, e Paloma, uma adolescente superdotada e desiludida. Ambas fingem ser menos do que são. Ambas observam o mundo com ironia e sensibilidade, criticando a hipocrisia da elite, mostrando como o saber é muitas vezes desprezado quando não vem embalado em status social. Renée lê Tolstói, escuta Mahler, ama a arte. Mas esconde tudo isso por medo de não ser aceita. Paloma, por sua vez, vê sua vida sem sentido, e planeja o suicídio para escapar da hipocrisia do seu meio social.
O romance é recheado de reflexões filosóficas. Há citações de Kant, Marx, Husserl, mas não é pedante. Usa a filosofia como lente para enxergar o cotidiano A linguagem é refinada, as vezes esnobe, mas acessível. Há humor, melancolia, ternura. A autora nos ensina a ver que há a beleza na banalidade.
O encontro entre Renée e o senhor Ozu, novo morador japonês, é o ponto de virada. Ele enxerga Renée como ela realmente é. Paloma também se aproxima dele. O livro então se transforma e cresce.
O final é comovente. A autora não oferece soluções. Mas aponta caminhos.
Resumindo: “A elegância do ouriço” é um romance sobre aparências e essências. Sobre o poder da arte. Sobre o valor da escuta. É um convite à empatia. Mostra que há profundidade onde menos se espera e o mundo tem mais nuances do que parece.
Ah, em tempo: a atraente capa do livro é assinada por Kiko Farkas e Elisa Cardoso.

