Era uma vez uma importante cidade que sofria com graves problemas de abastecimento de água para a população porque o desmatamento das encostas para a produção agrícola ameaçava seus mananciais. O governante decidiu tomar medidas drásticas: desapropriou fazendas e determinou o reflorestamento da área, com a plantação de mudas nativas. Novas árvores cresceram, áreas de mata degradadas se regeneraram – o abastecimento de água da cidade foi assegurado pelas décadas seguintes. A floresta, recuperada, tornou-se mundialmente conhecida.
A população do Rio de Janeiro mais do que triplicou desde a chegada da Família Real de Portugal em 1808. Atrás da corte portuguesa, vieram outros europeus, muitos também fugidos, como Dom João VI, das guerras napoleônicas. Foram estes os primeiros a começarem a derrubar a Floresta da Tijuca para plantar café, produto em alta naquele começo de século. Na metade do século, a capital do novo Império do Brasil tinha gente demais (estima-se que quase 200 mil habitantes) e água de menos. Com o desmatamento, os mananciais foram assoreados, a erosão do solo aumentou, a água que chegava a cidade tornou-se mais escassa e mais turva.
A necessidade de proteger os mananciais e garantir o abastecimento foi a justificativa da decisão do imperador Pedro II de declarar Maciço da Tijuca como Floresta Protetora e dar início a um processo de desapropriação de propriedades (fazendas e chácaras) para permitir o reflorestamento e a regeneração natural da vegetação. Em 11 de dezembro de 1861, o imperador assina o Decreto 577 instruindo “o plantio e conservação das florestas da Tijuca e das Paineiras” e determinando a plantação de arvoredos, a começar pelas margens das nascentes dos rios. Em seu artigo 2º, o decreto imperial estabelecia que os funcionários, além do plantio das mudas, deveriam garantir também a proteção das florestas da Tijuca e das Paineiras, reprimindo a caça e a extração de produtos florestais.
Nos anos seguintes, o major Manoel Gomes Archer, nomeado administrador da Floresta da Tijuca, comandaria a plantação de, pelo menos, 80 mil mudas, muitas trazidas de áreas de Mata Atlântica em Guaratiba e Jacarepaguá. O trabalho, que ficou no cargo até 1874, avançava conforme as propriedades iam sendo desapropriadas – na segunda metade do século, o café estava em decadência no Rio, muitas fazendas foram divididas, vendidas como chácaras para a elite imperial, que resistia às desapropriações. Em área menor, o administrador da Floresta das Paineiras, Tomás Nogueira da Gama, plantou, com sua equipe, mais de 20 mil mudas durante os 25 anos que esteve no cargo.
Quando o barão Gastão d´Escragnolle assumiu a administração da Floresta da Tijuca em substituição a Archer já estava mais evidente que as águas do Maciço da Tijuca seriam insuficientes para abastecer a capital que, de acordo com o primeiro censo nacional, realizado em 1872, já tinha 272 mil habitantes. O replantio prosseguiu, mas as matas da Tijuca ganharam tratamento paisagístico, com a colaboração do francês Auguste Glaziou. Engenheiro, botânico e amigo do imperador, Glaziou, responsável também por reformas na Quinta da Boa Vista, no Campo de Santana e no Passeio Público, tornou a floresta um parque para uso público com fontes, lagos e mirantes.
Com a República, a Floresta da Tijuca deixou de ter a atenção que lhe emprestava Pedro II, frequentador e admirador de suas belezas, mas seguiu seu processo de regeneração natural. Em sua área, foi inaugurado, em 1931, a estátua do Cristo Redentor, no alto do Corcovado, monumento que ganhou fama internacional, símbolo da cidade e do país. Na década de 1940, o industrial e comerciante Raymundo Castro Maya coordenou um trabalho de remodelação da Floresta da Tijuca, que incluiu a demarcação de seus limites e obras para a abertura de vias internas, a construção de pontes e muros de contenção e a criação de novos recantos, com projetos paisagísticos de Roberto Burle Marx. Em 1961, foi criado o Parque Nacional da Tijuca, em toda a área do maciço, incluindo as áreas de Paineiras, Corcovado, Gávea Pequena, Trapicheiro, Andaraí, Três Rios e Covanca.
O parque do Rio de Janeiro é, hoje, o mais visitado do país – 4 milhões 400 mil visitantes em 2023, atraídos pelo seu exuberante patrimônio natural. Na sua Mata Atlântica, vivem 63 espécies de mamíferos, 226 espécies de aves, 39 de anfíbios, 31 de répteis e incontáveis animais invertebrados. A floresta reúne ainda 619 espécies vegetais – 433 ameaçadas de extinção. Cachoeiras, trilhas e mirantes fazem parte dos atrativos gratuitos – naquele número inicial, estão incluídos os dois milhões do Cristo Redentor.
Se fosse uma fábula inventada apenas para provar os prejuízos do desmatamento e os sucessos do reflorestamento, todas as motivações seriam nobres e o final perfeitamente feliz. Mas, no passado, integrantes e amigos do governo imperial teriam aproveitado o plano de reflorestamento tanto na desapropriação de fazendas já desvalorizadas e na valorização de propriedades preservadas, quanto em empreendimentos com a recuperação paisagística. No século XXI, o Parque Nacional da Tijuca convive com problemas que vão de invasões e queimadas em trechos mais ermos à falta de segurança para os visitantes na área mais turística.
Mas a lição é verdadeira: desmatamento prejudica os seres humanos e todos os outros; e o Parque Nacional da Tijuca é um exemplo de sucesso do reflorestamento. O Rio de Janeiro tem o privilégio de abrigar a maior floresta urbana plantada do mundo – estudo de 2023 apontou que o ar no Parque Nacional da Tijuca chega a ser sete vezes mais puro do que em outros bairros da cidade – e tem orgulho disso. E ainda precisa descobrir que tem a maior floresta urbana do país: no bem menos visitado e popular Parque Estadual da Pedra Branca, tema para outro #RioéRua.
Texto publicado originalmente no #Colabora – Jornalismo Sustentável