Outro dia, num final de tarde, voltei ao bar para a tradicional rodada de chope com os velhos amigos. Antes que a conversa voltasse à rotina semanal de discussão futebolística, eu, vaidoso dos meus recentes conhecimentos, dei um jeito de voltarmos ao assunto das cores do hidrogênio que fora interrompido na última reunião do grupo, e, cheio de pose, professoralmente, discorri sobre obtenção daquele gás.
Ao terminar de demonstrar os meus recentes conhecimentos, Nelsinho, um dos mais inteligentes do grupo, logo questionou: “E aí, sabichão, foi uma ótima apresentação, mas incompleta. Faltou você dizer como usar esse seu hidrogênio nos nossos automóveis. Você saberia explicar?”.
Já antevendo aquela pergunta, eu estava preparado para ela, mas fingi surpresa e fiquei em silêncio por alguns segundos, buscando a atenção da plateia. Plateia? Sim, para o meu ego aquela era a minha plateia! Afinal, todos os velhos sabem como é difícil fazer suas opiniões serem ouvidas. Obtida a atenção desejada, comecei a explicar o pouco que sabia, mas com ares do mais soberbo especialista, quase um Ph.D. de Harvard.
Iniciei lembrando que todos eles estavam cansados de saber tudo dos veículos movidos à gasolina, diesel ou álcool. Ultimamente, alertei, eles já estavam vendo nas ruas alguns carros movidos à eletricidade, ou híbridos, que utilizam baterias recarregáveis.
Os carros movidos a hidrogênio, afirmei, na verdade também são carros elétricos. Eles têm tanques que armazenam o hidrogênio na forma gasosa (de modo semelhante aos de GNV). A alma desses veículos é um equipamento denominado Célula de Combustível, onde o hidrogênio, vindo do tanque, reage com o oxigênio do ar, gerando a eletricidade necessária à motricidade do carro e expelindo pelo escapamento apenas água limpa. Poluição zero.
Aproveitei-me da atenção despertada e, enquanto o garçom trocava as nossas canecas, continuei a minha quase aula.
Falei que, apesar da utilização do hidrogênio como combustível para veículos estar em constante evolução, ainda existem dificuldades a serem vencidas. Prossegui, informando que uma das maiores é a dificuldade de armazenamento do hidrogênio em grandes volumes, para daí suprir o varejo dos postos de abastecimento dos carros, de vez que seria inviável fazer a geração distribuída do gás. Já imaginaram a loucura que seria cada posto ter sua própria instalação de eletrólise, gerando o seu próprio hidrogênio? Os custos seriam proibitivos pela pequena escala do processo.
Todavia, alertei que algumas empresas brasileiras já estão com adiantados estudos para armazenamento subterrâneo de hidrogênio, em camadas de sal. Um outro problema é o hidrogênio ser muito inflamável e exigir manuseio com alto grau de segurança.
E mais, quando comparados com os veículos convencionais, os preços elevados dos carros a hidrogênio ainda não são compensados pelos prováveis baixos custos operacionais. A responsabilidade pelos altos custos desses carros é debitada a tecnologia e aos materiais envolvidos no sistema de células de combustível.
Quase finalizando, esclareci que, sem sombra de dúvidas, se a infraestrutura limitada (postos de abastecimento, oficinas especializadas, etc) e os altos investimentos iniciais são desafios que precisam ser superados para uma adoção ampla dos veículos de hidrogênio, por outro lado a rapidez no abastecimento, quando comparado com o carregamento das baterias dos carros elétricos convencionais, além da grande autonomia (um carro da Toyota, o Mirai, rodou mais de 1.300 quilômetros com apenas um tanque de hidrogênio), e, principalmente, as enormes vantagens ambientais, impulsionam os empreendedores na busca de soluções que, certamente, viabilizarão e popularizarão o uso do hidrogênio veicular.
Não resisti a tentação de mostrar mais conhecimento e informei que uma outra maneira do hidrogênio ajudar a descarbonização é adicioná-lo ao óleo diesel em motores de combustão interna. Nesse caso, o hidrogênio age como catalisador, promovendo uma queima mais completa do diesel, diminuindo o consumo do combustível e reduzindo as emissões de gases de efeito estufa. Experiências tem sido feitas, com resultados animadores, em navios, rebocadores e sondas de perfuração offshore.
Já percebendo ter falado demais, e receando que Nelsinho perguntasse mais alguma coisa, resolvi parar por ali. Constatando que o chope servido estava esquentando propus voltarmos a ele. E, claro, ao papo de futebol.
Oi Alfeu, parabéns pela capacitação e astúcia.. Você conseguiu me dar uma aula que jamais eu interessaria em outras circunstâncias. Rsrsrs
Sabe mto! visao de futuro.
Nossa Alfeu! Aprendi muita coisa aqui nesse artigo! Muito bacana!!
Parabéns!!
Parabéns Alfeu, tenho lido suas publicações, e são excepcionais! Demonstra sempre amplo conhecimento ao tema abordado, um ótima dose de humor, fundamental a quem lê, além de ser didático, gerando ampla possibilidade de entendimento para todos, independente de sua área de formação.
Muito obrigado pelo carinho da citação. Mais uma vez excelente.
É incrível como Alfeu Valença aborda os assuntos importantes em contos. Atraindo a atenção do leitor para temas pelos quais poderiam nem se interessar e acaba aprendendo só pelo prazer da leitura. Muito bom.
Realmente precisava de uma plateia para uma aula bem dada sobre hidrogênio. Valeu a pena esperar mais uma semana e desafiar o Nelsinho.
Muito bom .
Espero anciosa outras aulas aqui.
Uma aula!!
obrigado por essas explicações, Alfeu. você deveria ter sido professor
Muito bom!
Uma bela e divertida aula , obrigado por mais uma vez partilhar conosco o seu vasto conhecimento .
Parabéns Alfeu, impressionante a sua capacidade de estabelecer uma empatia com os leitores. Que aula, um verdadeiro mestre!
Prezado Alfeu, ADOREI !!! Creio que em bares aprendemos melhor assuntos tão complexos quanto este, especialmente , com um companheiro deste quilate e competência a nos transmitir conhecimento. A meu juízo, os veículos elétricos e/ou híbridos não terão a vida centenária dos veículos à combustão, pois demandam muitos recursos minerais para sua fabricação e manutenção continuada. E o hidrogênio em breve estará no ponto para assumir seu posto de rei. O Japão por não se sentir em condições de competir com a China, está a investir fortemente em avançar com hidrogênio. Abraços fraternos.