Fechada desde 2016, instituição no Rio de Janeiro, com a primeira indígena na direção em 70 anos, abre acesso ao jardim e terá exposição e feira no dia 19 de abril
Passo pela entrada do Museu do Índio, aqui no Rio de Janeiro, como faço rotineiramente desde o início de 2023 e me surpreendo ao ver os portões abertos, algumas pessoas circulando pelo jardim e fotos em preto-e-branco de indígenas no caminho para a recepção. Como registrei aqui neste RioéRua, há mais de um ano, o museu estava fechado desde 2016, ainda no lamentável governo Temer, para obras de recuperação e de infraestrutura no casarão centenário em Botafogo, onde a sede foi instalada em 1978.
O casarão, onde costumava ficar exposto parte do rico acervo – quatorze mil peças etnográficas, dezesseis mil publicações especializadas em etnologia e mais de 50 mil imagens, além de quinhentos mil documentos sobre os povos indígenas – da instituição, ainda está fechado a visitação. Mas o Museu do Índio está dando sinais de vida, principalmente desde a posse de sua nova diretora-geral, a advogada Fernanda Kaingang, primeira indígena a ocupar o cargo desde a sua criação pelo antropólogo Darcy Ribeiro, em 1953, quando dirigia a Seção de Estudos do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), órgão antecessor à Funai.
A nomeação de Fernanda – mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) e doutora em patrimônio cultural e propriedade intelectual pela Universidade de Leiden (Holanda) – foi um processo demorado. A Funai passou boa parte do ano de 2023 fazendo consultas a lideranças indígenas e analisando currículos. Somente em outubro, a presidente da Funai, Joênia Wapichana, anunciou a escolha do nome de Fernanda Kaingang que só veio a tomar posse em meados de dezembro. A prioridade da nova diretora, anunciada aos funcionários, era exatamente reabrir as portas do lugar que terá seu nome mudado para Museu Nacional dos Povos Indígenas.
Ainda há pouco para se ver no espaço em Botafogo. Na fachada, estão expostos painéis com fotos dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, realizados em 2015, em Palmas (Tocantins, que fazem parte da exposição itinerante Corpo em Rito. Na recepção, é possível folhear alguns livros de exposições abrigadas pelo museu em 2015 e 2016. Há bancos no jardim, onde está um busto do marechal Cândido Rondon, primeiro diretor do Serviço de Proteção ao Índio.
As fotos em preto-e-branco no caminho para a recepção são uma prévia da exibição ‘O Poder da Beleza’ – com fotos (coloridas) de Sonja Ferson, retratando o povo Ashniakaque, do Acre – que será inaugurada no dia 19 de abril, agora Dia Nacional dos Povos Indígenas no ateliê, uma sala pequena em prédio anexo. Na mesma data, o jardim será ocupado pela feira UruçuMirim Karioka, promovida pelo Koletivo UrussuMirim Karioka, integrado por representantes de povos indígenas (tupinambás, saterê mawès e pataxós).
Enquanto o casarão não pode ser utilizado, o Museu do Índio promove eventos em outros espaços: esta semana, o seminário “Povos indígenas e diversidade cultural: saberes, fazeres e biodiversidade. Como proteger para o futuro?”, está sendo sendo realizado na Casa de Rui Barbosa, parceira na organização, também localizada no bairro de Botafogo. As obras de reforma no imóvel – construído em 1880 e tombado pelo Iphan – só devem ser concluídas no ano que vem; parte das intervenções previstas, como projetos de prevenção contra incêndios, reforma da rede elétrica e manutenção da subestação de energia e contratação de um grupo de brigadistas, foi executada o que permitiu a reabertura do acesso ao jardim e a exposição no ateliê.
Pessimistas dirão que os indígenas têm mais com o que se preocupar diante das ameaças de fazendeiros, madeireiros, grileiros e seus cúmplices no Congresso Nacional, que aprovou a lei do marco temporal – princípio já considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. A lei inconstitucional tem como sinistro objetivo limitar a demarcação à data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988 e assim estender o processo de usurpação das terras indígenas e virou alvo de novas ações no STF. Neste meio tempo, ela serve de estímulo para novas ataques aos indígenas – já houve atentados a bala nos primeiros meses de 2024 em Santa Catarina, Paraná, Rondônia e Bahia, onde morreu um indígena. E atrasa novas demarcações.
Otimistas vão acreditar que a reabertura do Museu do Índio é um bom sinal para a preservação da cultura indígena e dos saberes dos povos originários do Brasil, que resistem apesar do genocídio promovido por homens brancos armados (e agora também engravatados) ao longo dos séculos. O Censo 2022 constatou que a população indígena do país chegou a 1.693.535 pessoas, o que representa 0,83% do total de habitantes, mas também um aumento de 88,82% desde o Censo 2010. Aqui no Rio de Janeiro, sede do Museu do Índio, vivem 16.964 indígenas – que devem mais ainda celebrar esse lugar de memória e culto à ancestralidade.