A nova deputada federal do Rio de Janeiro nasceu longe do estado que agora representa. Alagoana de origem, Heloísa Helena chega à Câmara dos Deputados com uma trajetória política marcada por militância, rupturas e uma relação antiga com o Rio.
A ligação começa ainda na infância e atravessa perdas familiares profundas. “Meu pai foi pedreiro aí, meu irmão mais velho nasceu aí”, conta. “O que acabou assassinado”, completa. O irmão citado é Cosme. O pai, conhecido como “Lula”, morreu de câncer quando Heloísa tinha apenas três meses.
Criada pela mãe na cidade de Pão de Açúcar, no sertão de Alagoas, Heloísa Helena cresceu sem a presença paterna. Aos 18 anos, mudou-se para Maceió, onde ingressou no curso de Enfermagem e passou a atuar no movimento estudantil. Menos de dez anos após chegar à universidade, Heloísa foi eleita vice-prefeita de Maceió pelo PT, na gestão de Ronaldo Lessa (PSB).
Anos depois, alcançou projeção nacional ao se eleger senadora por Alagoas, cargo que ocupou por oito anos. A passagem pelo Senado foi marcada por embates internos e, posteriormente, pela expulsão do PT — episódio que levaria à fundação do PSOL e à presidência do novo partido.
A vinda para o Rio de Janeiro, décadas depois, também teve cálculo político. A mudança fez parte de um projeto de fortalecimento do partido Rede Sustentabilidade, que ajudou a fundar. Em acordo com Marina Silva, Heloísa se lançou candidata pelo Rio enquanto Marina disputou o mandato por São Paulo. “Eu sempre tive uma relação afetiva com o Rio”, diz. “Tenho família aí, já trabalhei aí, fui candidata aí”.
O Rio, aliás, foi o estado onde ela obteve sua maior votação na disputa presidencial de 2006, quando terminou em terceiro lugar. Agora, retorna à política ocupando uma cadeira na Câmara dos Deputados — ainda que em caráter temporário.
A senhora, Heloísa Helena, entra no lugar do deputado Glauber Braga, que foi suspenso por decisão da Câmara. Sua atuação como suplente vai refletir mais a sua própria campanha ou também as pautas do deputado que está sendo substituído?
Ele (Glauber) não tem dúvida de que continuarei o trabalho dele. Todas essas questões relacionadas à fiscalização, ao monitoramento, ao controle e à transparência dos recursos públicos já fazem parte da minha trajetória política. Quando fui senadora por Alagoas durante oito anos, trabalhei muito com isso. Para mim, não é nenhum esforço dar continuidade às atividades que ele já vinha desenvolvendo. Eu faço isso por convicção.
Mas, claro, também terei focos em outras questões que têm relação direta com a minha formação, porque eu sou epidemiologista. Educação, saúde, redução da vulnerabilidade econômica e social e segurança pública fazem parte da minha tradição, tanto como professora da universidade quanto na militância política.
Meu mandato não tem emendas, e esse é um instrumento importante. Mas o que podemos trabalhar é a alteração da legislação, para possibilitar mais inclusão econômica e social. Vou juntar essas duas prioridades e trabalhar, como é minha obrigação, com coragem, disciplina e honra.
Como deputada, o que pretende defender pelo Rio de Janeiro, especificamente, nesses seis meses de mandato?
Tenho trabalhado muito com a ideia do que eu chamo de “Rio Profundo”, que é a parte mais distante dos cartões-postais. O Rio tem as belezas da natureza e uma efervescência cultural enorme, mas a vida real da maioria da população é muito diferente da imagem vendida da cidade.
Pretendo dar atenção especial a esse “Rio Profundo” nas áreas com as quais eu sempre trabalhei: saúde, educação, dinamização da economia local, geração de emprego e renda e redução da vulnerabilidade econômica, social e ambiental.
Nesse sentido, estamos estruturando a apresentação de projetos de lei especialmente nas duas áreas que considero fundamentais para reduzir a vulnerabilidade econômica e social: educação e saúde.
Quando fala em “Rio Profundo”, está se referindo a regiões que não são turísticas, como a Zona Norte e a Zona Oeste?
Com certeza absoluta. Eu conheço essas áreas, inclusive porque tenho família por lá. Além de uma vulnerabilidade econômica muito grande, esses territórios são dominados por facções e milícias. É uma situação gravíssima.
O pacto que eu pretendo fazer é de proteção absoluta da infância e da juventude, para impedir que crianças e adolescentes acabem sendo capturados como mão de obra do crime organizado.
Também quero viabilizar a ampliação da educação integral. Em muitos lugares, a educação infantil funciona apenas até às 14h, e isso não dialoga com a realidade das famílias trabalhadoras. Vou propor alterações na legislação.
Essa agenda também se estende para outras regiões do estado?
Sim. Nossa equipe já trabalha em algumas áreas estruturando projetos de recuperação de mangues e capacitação profissional. Também estamos disputando editais para processos de capacitação em São Gonçalo, especialmente na região dos manguezais das praias.
A situação de Petrópolis também é muito grave. Muitas dessas tragédias poderiam ter sido identificadas com antecedência para que mecanismos de prevenção fossem implementados antes. O mais triste é isso: os diagnósticos já existem, mas as ações concretas de monitoramento e controle ainda não foram feitas.
Voltando às áreas de saúde e educação, qual é a sua proposta para o ensino integral e por que focar nesse ponto?
A educação básica tem três etapas: educação infantil, ensino fundamental e ensino médio. Para mim, o maior problema está na educação infantil, que atende crianças de zero a quatro anos e, em muitos lugares, funciona apenas até às 14h.
É impossível que uma mãe trabalhadora, com deslocamentos longos e condições precárias de transporte, consiga manter uma jornada regular de trabalho e, ao mesmo tempo, buscar seus filhos nesse horário. Isso acaba recaindo sobre outras mulheres da família.
Por isso, considero fundamental que, pelo menos na educação infantil, as escolas funcionem até às 20h. Isso já responde a uma parte importante da realidade das mulheres trabalhadoras, ainda que não resolva todos os casos.
Cerca de 46% dos domicílios no Brasil e no Rio de Janeiro são chefiados por mulheres, muitas delas sem parceiro. É indispensável que os equipamentos públicos acompanhem essa realidade. A ampliação do horário escolar é uma política estrutural.
Também penso em estabelecer um tempo máximo de espera para uma vaga em creches, enquanto a universalização do atendimento não se resolve.

