O Tribunal de Contas do Estado (TCE) divulgou, nesta segunda-feira (11), uma nota de repúdio às declarações do governador Cláudio Castro (PL) — que, na última sexta, atacou o tribunal, em discurso na Baixada Fluminense, por causa da suspensão da construção da Estação de Tratamento Guandu 2, em Nova Iguaçu. “Não tenho medo de miliciano, vou ter medo de conselheiro?”, disse o governador.
“O Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro repudia, de forma veemente, as tentativas de politização e de deslegitimação de sua atuação, realizadas em face da recente decisão desta Corte de suspender, cautelarmente, o procedimento licitatório destinado à construção da nova Estação de Tratamento de Água do Sistema Guandu. A medida, fruto de decisão adotada no estrito exercício das competências constitucionais deste Tribunal de Contas, baseou-se em achados técnicos que identificaram a ausência de demonstrativo claro da formação de preços em parte significativa do objeto licitado, impedindo a verificação da origem dos valores, insumos, coeficientes técnicos e referências”, diz a nota do TCE.
Em seu discurso, Castro havia dito que o conselheiro Christiano Lacerda Ghuerren suspendeu a licitação por “politicagem”.
“E nós temos que criar uma punição severa para aqueles que prejudicam o povo por causa de politicagem. O único órgão que não tem previsão de punição nenhuma é o Tribunal de Contas. É uma sacanagem com o povo da Baixada Fluminense suspender uma obra de R$ 2 bilhões com o dinheiro em caixa, com financiamento, e que vai ajudar quatro milhões de pessoas”, disse o governador, muito irritado.
O tribunal, no entanto, afirmou que a decisão cautelar tem como objetivo assegurar que a licitação somente prossiga quando plenamente garantidos os princípios da legalidade, da transparência e da economicidade, preservando o interesse público e prevenindo prejuízos ao erário.
“É essencial que a sociedade compreenda que o Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro é um órgão de controle externo, técnico, independente e autônomo, que não se orienta por conveniências circunstanciais, nem se submete a pressões decorrentes do calendário político-eleitoral ou de qualquer outra natureza”, diz a nota divulgada pelo TCE.
Castro estava tão irritado, na sexta, que usou até palavrões para se referir ao conselheiro. Ele disse não temer retaliações.
“E pode ameaçar que eu não tenho medo nenhum de Tribunal de Contas. Eu não tenho medo de miliciano, vou ter medo de conselheiro? Tô cagando pra ele. Nós vamos a todas as instâncias para liberar a obra, porque é uma sacanagem com o povo da Baixada”, disse.
TCE alega ‘desconhecimento das funções de um órgão de controle’
O TCE rebateu os principais pontos do discurso do governador. Seguem mais alguns trechos da nota.
“O Tribunal de Contas não atua para agradar interesses de ocasião, mas para cumprir sua missão constitucional de zelar pela boa gestão dos recursos públicos. Aqueles que confundem a defesa do interesse coletivo com entrave a projetos específicos revelam, no mínimo, desconhecimento das funções de um órgão de controle e, no máximo, desapreço pelos princípios que regem a administração pública.
A existência e atuação das Cortes de Contas, inclusive as regras de investidura e autonomia funcional de seus respectivos Conselheiros, têm amparo direto na Constituição Federal, onde estão rigidamente estabelecidas as suas respectivas competências, que têm por finalidade última a guarda da legalidade dos atos de gestão do dinheiro público.
Tentativas de ataque de natureza política não abalam o compromisso desta Corte com a população fluminense. Ao contrário, reafirmam a relevância de um Tribunal de Contas independente e atuante, cuja missão é fiscalizar, orientar e avaliar a gestão dos recursos públicos em benefício de toda a sociedade”.
Associação também divulga nota contra Castro
A Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) também divulgou nota para “manifestar veemente repúdio às declarações de Castro.
“O governador, em discurso pautado por evidente desconhecimento do ordenamento jurídico pátrio e movido por inconformismo com uma decisão cautelar proferida pelo relator do caso, acusou, sem apresentar qualquer prova, o conselheiro do TCE-RJ de ter decidido “por politicagem”. Em uma escalada de hostilidade incompatível com a liturgia do cargo, conclamou os parlamentares presentes a criar uma “punição severa aos Conselheiros do Tribunal de Contas”, alegando falsamente que “o único órgão que não tem punição nenhuma é o Tribunal de Contas”. A escalada autoritária do discurso prosseguiu com insinuações intimidatórias, incluindo ataques pessoais de baixo nível e a utilização de expressões chulas e ofensivas ao conselheiro e ao próprio Tribunal de Contas”, protestou a entidade de classe..
E complementou:
“Esse tipo de manifestação, que beira a incitação à violência, é característica de ações orquestradas em ambiente virtual, frequentemente utilizadas para estimular e amplificar ataques contra autoridades públicas, na tentativa de intimidar e descredibilizar aqueles que decidem conforme a Constituição e não se curvam a interesses escusos”, diz a nota da Atricon.