“Não existe Rio sem carnaval”. A frase de Daiana Pereira, dona de casa de 34 anos, resume o sentimento de quem vive na cidade que celebra, neste sábado (1º), seus 460 anos de fundação. No meio das comemorações de mais um aniversário, este ano ainda tem o tempero especial da folia que, além de ser a marca registrada dos cariocas, tem um papel central na história do município.
No bairro Estácio de Sá, um dos mais tradicionais da Região Central do Rio, essa relação está muito clara. Basta observar as pessoas, os bares e os morros para perceber como o carnaval e a cidade estão profundamente enraizados na identidade de quem vive ali.
“O Rio é muito receptivo, une pessoas de todos os lugares. Gente do mundo inteiro vem pra cá. Estou animada para este ano! Vou ficar por aqui mesmo, com minha cervejinha, porque sou carioca. E é isso: o melhor período do ano”, destaca Daiana, moradora da região.
O nome do bairro homenageia o fundador da cidade, Estácio de Sá, mas sua importância vai além. Foi ali também, no Morro de São Carlos, que Ismael Silva e um grupo de sambistas fundaram, em 1928, a primeira escola de samba do Brasil: a “Deixa Falar”.
Filho de um dos fundadores
Anos depois, essa escola deu origem ao Grêmio Recreativo Escola de Samba Estácio de Sá, que segue como uma das grandes representantes do samba carioca. Carlos da Silva, autônomo de 63 anos e filho de Glaudêncio da Silva, um dos fundadores da agremiação, carrega no sangue essa história.
“Sou filho de um dos fundadores da Estácio, e isso sempre fez parte da minha vida. Quando eu era criança, meu pai me levava para ajudar no deslocamento dos carros alegóricos. Hoje, sinto uma alegria enorme em ver esse espaço maravilhoso, onde podemos manter viva a tradição do carnaval no nosso país e, especialmente, no Rio de Janeiro. Sou muito grato a ele por ter me apresentado esse mundo, que é simplesmente maravilhoso”, relata Carlos.
Cultura, resistência e identidade
O historiador Marcelus Zampier explica que o carnaval surgiu dentro da tradição católica medieval como um período de festas antes da Quaresma, mas, no Brasil, foi ressignificado pela cultura popular. No final do século XIX e início do século XX, a abolição da escravatura marginalizou os ex-escravizados, que encontraram no carnaval um espaço de expressão cultural e resistência.
“As sociedades carnavalescas se tornaram um refúgio para essas comunidades, um local onde podiam se expressar sem serem reprimidas por leis que criminalizavam a vadiagem. Com o tempo, os desfiles, as fantasias e o samba se estruturaram até dar origem ao modelo que conhecemos hoje, com escolas de samba e grandes desfiles no Sambódromo”, explica Zampier.
Existe Rio sem carnaval?
Para o historiador, imaginar o Rio sem carnaval é olhar para a cidade apenas sob a ótica da elite, ignorando a riqueza da cultura popular carioca.
“Pensar o Rio sem carnaval é imaginar uma cidade dominada somente pela elite burguesa. Mas, com o tempo, ocorre uma inversão de valores: o carnaval, que antes era marginalizado, passa a ser consumido por essa elite. As sociedades carnavalescas eram formadas por aqueles que não podiam se expressar publicamente, mas, depois, a burguesia começa a se apropriar desse movimento”, afirma.
Nem sempre 1º de março
O aniversário do Rio nem sempre foi comemorado no dia 1º de março. Durante séculos, o dia 20 de janeiro, Dia de São Sebastião — padroeiro da cidade —, era considerado a data oficial, pois marcou a vitória portuguesa sobre os franceses na Baía de Guanabara.
Foi apenas em 1965, numa segunda de carnaval, quando a cidade-estado da Guanabara organizou um grande evento para celebrar os 400 anos de fundação do Rio, que o 1º de março se consolidou como a data oficial. Naquele ano, um bolo gigante de cinco metros de altura e três toneladas foi montado no Maracanãzinho, em cerimônia liderada pelo então governador da Guanabara, Carlos Lacerda.
O dia 1º de março de 1565 marca o momento em que o capitão português Estácio de Sá fundou a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro em uma península da Baía de Guanabara — região que os indígenas chamavam de Guanabara, que significa “seio do mar”. O nome da cidade foi uma homenagem ao rei Dom Sebastião de Portugal.