Hoje em dia, é praticamente impossível passar 30 minutos em alguma plataforma de vídeo e não se deparar com um vídeo curto de receita para uma ou duas pessoas. Esse tipo de conteúdo já acumula milhões de visualizações no YouTube, TikTok e Instagram. E o Brasil, que é o segundo país latino-americano que mais passa tempo nas redes sociais — com uma média diária superior à global —, está no topo do público que consome esse tipo de conteúdo.
Mas essa “trend” nas redes não é à toa: ela acompanha outra tendência. Os brasileiros estão, cada vez mais, morando sozinhos. Segundo dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), o número de lares ocupados por apenas uma pessoa cresceu de 12% para 18% entre 2012 e 2023.
Para a coordenadora do Núcleo de Estudos em Espaço e Demografia da Universidade Federal Fluminense (UFF), Elzira Lucia, essa mudança não tem uma explicação única, mas está ligada a mudanças comportamentais, principalmente pela busca por liberdade.
“Essa mudança não é recente e mostra uma virada na tendência da série histórica: os domicílios unipessoais cresceram muito acima do crescimento total de domicílios. É mais provável que esse aumento esteja relacionado a transformações culturais de longo prazo, associadas a valores mais pós-modernos, que enfatizam a individualidade e a autorrealização”, explicou Elzira.
Essas mudanças impactam diretamente diversos mercados, afirma a professora da UFF. Segundo ela, “para onde caminha a sociedade, o mercado rapidamente capta e é ágil em fazer ajustes para atender às novas demandas”. No mercado da alimentação e das redes sociais, isso não é diferente.
Como conteúdos de receitas têm dominado as redes
Para o especialista em redes sociais Emanuel Ferreira, há um crescimento visível e multifacetado na produção de conteúdo gastronômico nas redes sociais, especialmente voltado para receitas práticas e com apelo emocional.
“Esse tipo de produção de conteúdo teve início de forma orgânica. Mas, com o tempo, esse movimento foi se profissionalizando e hoje faz parte de uma estratégia bem estruturada de conteúdo e de posicionamento de marca pessoal”, disse Emanuel.
Para ele, isso acontece porque vídeos que mostram alguém preparando um jantar simples para si, ou descobrindo uma comida caseira no bairro, tocam o público justamente por serem reais, acessíveis e cheios de afeto.
“Ao contrário dos programas de TV, que seguem roteiros formais e grandes produções, os vídeos curtos da internet trazem proximidade. E isso virou uma vantagem competitiva. As marcas perceberam isso e passaram a investir em parcerias com microinfluenciadores que têm um público engajado e fiel”, concluiu Emanuel.
O influenciador Igor Rocha, por exemplo, é um dos maiores criadores de conteúdo de receitas na internet — hoje com mais de dez milhões de seguidores nas redes sociais. Desde 2015, ele compartilha sua trajetória nas redes sociais, mas foi com receitas criativas, de fácil execução e alto apelo visual que ele se destacou no competitivo universo da confeitaria online.
A engenheira Ana Clara Fernandes mora sozinha em São Paulo há cerca de três meses, depois de ser transferida pelo trabalho. Ela, que busca manter uma rotina prática e saudável, conta que adora esse tipo de conteúdo.
“Esses vídeos sempre aparecem pra mim, e eu adoro ver. Fico salvando as receitas para testar depois — e dá certo!”, contou.
E ela não está sozinha. Em 2023, segundo o Google, as buscas por “receitas para uma pessoa” cresceram mais de 80% em relação ao ano anterior. Isso mostra que o conteúdo gastronômico nas redes sociais virou um pilar de engajamento digital. Além de informar e inspirar, ele entretém e conecta emocionalmente.