Eu tive a sorte e o privilégio de conviver com uma pessoa que foi unanimemente admirada por todos que o conheceram. E aqui eu registro unanimidade verdadeira, não aquela que comumente apenas reflete um disfarçado consenso. Falo de alguém portador de simpatia, inteligência, sinceridade, compreensão, humildade, extroversão, perspicácia, desprendimento, bom humor e lealdade, muita lealdade.
Essas características são as que fazem algumas pessoas serem unanimemente queridas e admiradas. Infelizmente essas criaturas são poucas, muito poucas. Por isso quando as encontramos e nos relacionamos com elas, devemos procurar usufruir o máximo possível do seu convívio. Esse tipo de gente está sempre nos ensinando alguma coisa, mesmo quando estão caladas. Um gesto, um olhar, uma compreensão, qualquer atitude empática vindo delas, já nos ensina a ser mais tolerantes, compreensivos e a valorizar pequenas coisas que antes nem notávamos.
Eu tive o privilégio de coexistir e coabitar com uma pessoa assim. Durante alguns anos, o meu primo e cunhado, saindo da adolescência, veio morar conosco para continuar seus estudos e com a gente ficou até que entrou na universidade.
Naquela época, envolvido com o trabalho, muitas vezes longe de casa, embarcando em plataformas de petróleo, ou mais provavelmente por falta de maturidade, eu não desfrutei dos ensinamentos que ele, através do seu comportamento no dia a dia, nos transmitia. Fala mansa, dicção perfeita, um tom de voz baixo que exigia a nossa atenção, delicadeza de gestos e calma na exposição dos seus argumentos repletos de raciocínio lógico. Atraia as crianças nivelando-se a elas, nos interesses e nas brincadeiras. Teria ouvido absoluto, o que explicaria a sua enorme capacidade de absorver músicas ou pronunciar corretamente inglês e espanhol? Nunca saberei.
Tudo isso, só vim a ter consciência, e a valorizar, muito tempo depois da sua morte prematura, aos 33 anos. Infelicidade minha. Perdi muito.
Quando ocorre a morte de um ser humano? No passado, a ciência dizia que ela acontecia com a paralisação das funções cardíacas e respiratórias. Os transplantes mudaram esse conceito, considerando a cessação das funções cerebrais. Já o israelense Amós Oz, em “Rimas da vida e da Morte”, diz que a gente só morre realmente quando morre a última pessoa que se lembra de nós. Assim, enquanto existir um familiar, um desconhecido, um amigo ou até mesmo um desafeto, que nos mantenha na sua lembrança – boa ou má, não importa – nós estaremos vivos. Só quando essa pessoa morrer é que morreremos em definitivo, como se nunca tivéssemos existido.
E é por isso que Ramon ainda está vivo, bem vivo. Não somente eu, mas, sem a menor dúvida, todas as pessoas que tiveram o privilégio da sua amizade e do seu convívio, pensam igual a mim e concordarão com este texto tardiamente redigido em sua homenagem.
Assim, compatível com o pensamento de Amós, Ramon só será esquecido após muitas e muitas dezenas de anos. Escrevi esquecido de propósito. Poderia ter grafado morrido. Por que não o fiz? Porque estou entre aqueles que, tendo usufruído da sua intimidade, acreditam que foram pessoas como ele que inspiraram Guimarães Rosa: “As pessoas não morrem, ficam encantadas”.
Para quem não teve o privilégio de conhecê-lo, faço a apresentação: Ramon Calado Porto, brasileiro, pernambucano, casado com Claudia, pai de Pablo, bebia Cuba Libre, torcia pelo Sport, e era fã de Clara Nunes e Rolando Boldrin. Engenheiro de profissão e cartógrafo amador, amava o próximo e escrevia bem. Elogiava Anna Karenina, de Leon Tolstoi.
Que ser humano maravilhoso ele foi. Realmente um privilégio conviver com ele.
Ele viverá para sempre nos corações de quem o conheceu verdadeiramente.
Meu tio amado, amor de criança…
Pelo texto, carregado de sensibilidade e sincera reverência, Ramon continuará vivíssimo por muitos e muitos anos.