E eu que achava que ela era baiana. É tanto “meu rei” nas conversas, e tanto baião de dois na lembrança, que eu me equivoquei. Ocorre que a Mariana Padrão, cozinheira e sócia do novíssimo boteco Quitanda Gastronomia, no Catete, tem o nome da sua cidade natal, São Gonçalo, tatuado no braço. Formada em gastronomia em Niterói e cria do chef Rodrigo Santanna, há 12 anos a conterrânea do Vinícius Jr. escolheu o Rio para morar e “viver de evento”. Isto é: peregrinar pelo circuito de feiras gastronômicas e de samba que povoam a agenda cultural carioca com seu stand de comida afetiva, brasileira e botequeira. Deu certo. Por nove anos, o Quitanda Gastonomia carregou a cozinha nas costas e construiu fama nesse universo. Especialmente na Feira da Glória, que leva samba de raiz e comida de qualidade às imediações da Praça Paris, sempre aos domingos, e da qual o Quitanda era o stand mais antigo e famoso.
Mas mesmo dando certo, vida de “feirante” cansa. Quando o evento faz sucesso, fica mais caro pagar o chão. E a precariedade… essa é eterna. Aí a Mari conversou com os sócios – o marido, músico, sambista e apoiador de primeira hora João Martins e o amigo de longa data Felipe Pequeno – e avisou que ia dar um tempo no negócio. Mas não deu tempo de dar tempo. Logo veio aquele empurrãozinho do destino que sempre rola com quem está marcado para brilhar: a loja da rua Andrade Pertence – que entrou para a história como o primeiro endereço da Ferro e Farinha, hoje tida por muitos como uma das melhores pizzarias do Brasil – ficou disponível. E melhor: o endereço é ao lado da casa da Mariana e do João. Foi o estímulo que faltava para o Quitanda sair das ruas e adotar endereço fixo. Abriu há menos de três meses, e o sucesso já é evidente.
É bem verdade que o bar já começou com um trunfo valioso: a clientela antiga e fiel que frequentava o stand nas feiras adotou o lugar desde o primeiro dia. E quem não conhecia está geral se apaixonando. Bar lotado todos os dias – menos terça, que não abre. A ligação com o mundo do samba deu também à comida da Mariana muitos clientes ilustres. Moacyr Luz, quase vizinho, volta e meia passa por lá. Jorge Aragão já visitou, e Sombrinha é tão da casa que empresta seu nome ao chope de 200ml. Já a caldereta de 400 reverencia o grande Arlindo Cruz.
O cardápio tammbém traz outras homenagens afetivas em forma de comida. As porções de jiló e de maxixe são receitas do pai da Mariana, seu Paulo. O dedo da mãe, dona Cláudia, também circula pelos pratos repletos de lembranças da infância em Campos dos Goytacazes, outros tantos egressos dos anos de barraca de rua. Mas também há as criações pensadas para a nova loja. A coxinha sem massa, por exemplo, é item de colecionador. As bolinhas de queijo, essas são tão precisosas que levaram nome de pérola. Do samba, claro. São as jovelinas. Tudo servido na rua, em mesas de plástico ao melhor estilo pé-sujo. Lá dentro, no salão estreito e profundo, a cozinha aberta permite aos que se recostam no balcão observar os caminhos das panelas, frigideiras e caçarolas. No banheiro, os clientes mais chegados – ou famosos – são convidados a escrever seus nomes na parede.
E como todo boteco de sambista, a brincadeira corre solta. Uma delas é politicamente incorreta, mas eu gostei: trata-se do desafio dos chopes. Cada cliente que bate o recorde de calderetas consumidas num único dia ganha um prato comemorativo com seu nome e a marca conquistada registrados. Mas não é para levar para casa. Fica pendurado no salão, para todo mundo ver. Até o momento, o recorde está em trinta chopes. Prometi que um dia, de folga, irei lá tentar superar a marca. Só não sei se ainda tenho fígado para tamanha ousadia. Talvez eu chame meu amigo Marcelo Novaes, dono do Cachambeer, para me representar. Ele papa essa fácil.
Quitanda Gastronomia: um São Gonçalo-Catete (via Glória) que vale demais embarcar
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