Corpo a corpo com eleitores? Reuniões com associações de moradores? Isso tudo até acontece, mas já não é o mais importante para alguns políticos do Rio. Com o avanço das redes sociais, prefeitos do estado, como, por exemplo, Eduardo Paes (PSD), do Rio, Dr. Serginho (PL), de Cabo Frio, e Rodrigo Neves (PDT), de Niterói, têm consolidado uma nova forma de se comunicar com os eleitores, que não ficou restrita à campanha eleitoral.
Usando vídeos criativos, bem editados e informais, esses “prefeitos influencers” conseguem viralizar suas ações políticas e decisões públicas nas redes, criando uma imagem mais próxima e acessível, além de transformar a maneira de fazer e pensar a política no estado.
Um dos principais nomes desse novo formato de comunicação política é Paes. Formado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-RJ), ele tem um estilo característico de se apresentar em seu perfil no Instagram, onde conta com 806 mil seguidores. Num levantamento feito em 2024 pela Bites, empresa de análise de dados que extrai, cruza e interpreta informações disponíveis na internet, Paes era o segundo prefeito com o maior número de seguidores entre todos os mandachuvas das capitais do país. Somando 1,48 milhão no Instagram, X e Facebook, só perdia para João Campos (PSB), de Recife.
‘Big Day do Dudu’
No dia 20 de dezembro de 2024, por exemplo, o prefeito mostrou que não tem medo de entrar no jogo da viralização e se assumiu como o “big boss” da Prefeitura do Rio. Em um vídeo divertido, ele adotou o formato do “Big Day” para anunciar seus secretários de 2025, transformando a cena em uma verdadeira paródia do “Big Brother Brasil”. O prefeito se divertiu tanto que até fez questão de cantar a icônica música “Vida Real” de Paulo Ricardo, com uma ajudinha da inteligência artificial.
Já no dia 26 de janeiro deste ano, ele também viralizou com o segundo episódio de seu quadro “Civilidade com Dudu”, no qual aparece fiscalizando uma pequena empresa que estava descartando lixo de forma ilegal na Zona Oeste do Rio. No vídeo, que é recheado de edições e cortes típicos da plataforma, Paes transmite sua seriedade sem perder o carisma e a personalidade que o tornaram tão conhecido.
Dr. Serginho faz parte desse movimento
O prefeito de Cabo Frio, Dr. Serginho, também faz parte desse movimento. Formado em Direito e conhecido pelos conteúdos criativos que compartilha nas redes sociais, ele viralizou no dia 15 de janeiro deste ano ao anunciar medidas para preservar a tranquilidade nas praias da cidade de uma forma inusitada.
Em um vídeo criativo publicado no Instagram, onde tem 147 mil seguidores, Dr. Serginho adaptou a letra do famoso “Rap da Felicidade” para reforçar a proibição de som alto na orla, especialmente na Praia do Forte. Cercado por caixas de som, o prefeito cantou que só queria “andar tranquilamente na praia” onde nasceu. A ação gerou grande repercussão, e Dr. Serginho passou a ser chamado de “Serginho do Rap” por aqueles que viralizaram o vídeo.
‘Alcance rápido e eficaz’
De acordo com o prefeito, que já se destacou em outras ocasiões com conteúdos virais, “as redes sociais são ferramentas extremamente importantes na comunicação política”. Ele destaca que, atualmente, as plataformas digitais são um dos principais meios de alcançar a população de forma rápida e eficaz.
“Antes mesmo das eleições, sempre usei bastante minhas redes sociais, não só para mostrar meu trabalho, mas também para compartilhar minha rotina e meu dia a dia. Gosto de manter esse canal aberto com meus seguidores, recebendo opiniões, críticas e elogios. Acredito que isso fortalece a transparência e aproxima ainda mais o prefeito do povo, algo que valorizo muito. As redes sociais foram grandes parceiras na minha caminhada até a prefeitura”, afirma Dr. Serginho.
Vídeos mais ‘personalizados’
Os conteúdos mais “personalizados”, alinhados às ações de seu mandato, também são uma preocupação constante em sua atuação política, explica o prefeito. Dr. Serginho revela como pensa e estrutura seu conteúdo para as redes sociais, de modo que essas características estejam sempre presentes.
“Eu faço questão de usar nas redes sociais a mesma linguagem que uso nas ruas, porque acredito que essa proximidade é fundamental para que as pessoas se sintam parte do processo. Tenho ao meu lado o publicitário Paulo Becker, e juntos pensamos os vídeos, os textos e as ações de comunicação de maneira que todos possam ver, entender e participar do que está sendo feito. A ideia é sempre manter a comunicação acessível, clara e próxima da realidade das pessoas”, explica ele.
Fenômeno já chegou a Niterói
Além de Dr. Serginho e Eduardo Paes, outro prefeito do estado que tem se adaptado a esse “novo jeito de fazer política” é Rodrigo Neves, que cumpre seu terceiro mandato à frente de Niterói, na Região Metropolitana. O político, que conta com 70,2 mil seguidores no Instagram e é formado em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF), também se destaca nas redes sociais com seus conteúdos.
No dia 3 de janeiro, ele publicou um vídeo no Instagram que reacendeu uma antiga rivalidade entre os moradores do Rio e de Niterói. Nas imagens, Rodrigo Neves aparece na lanchonete Ponto Jovem, famosa na cidade, segurando um salgado italiano e, em seguida, brinca ao afirmar que, em Niterói, o salgado é chamado de “italiano”, enquanto “joelho é uma parte do corpo”, fazendo referência ao nome utilizado pelos cariocas para o mesmo salgado.
‘Precisa estar onde as pessoas estão’
Para Rodrigo Neves, as redes sociais são uma ferramenta essencial nos dias atuais. Ele destaca que um gestor público “precisa estar onde as pessoas estão”.
“E cada vez mais, elas estão nas redes sociais. Por isso, vejo como central o papel de me comunicar diretamente com o cidadão. Isso vale também para a prefeitura, que dialoga com o niteroiense todos os dias, não só pela imprensa, mas também pelas redes sociais. Inclusive, a prefeitura tem recebido reconhecimento e premiações por essa prática democrática”, afirma Rodrigo Neves.
Linguagem das redes
De acordo com o prefeito, ele tem trabalhado cada vez mais para produzir conteúdos “adequados à linguagem das redes sociais”. Neves explica que dialoga diariamente com sua equipe de comunicação, acompanhando os acontecimentos da cidade, do país e do mundo para construir conteúdos de utilidade pública, serviços, prestação de contas e informativos, além de promover a troca com o cidadão.
“Como todo gestor público, gosto de falar, mas sei que hoje é importante produzir vídeos mais curtos e objetivos, sem abrir mão da qualidade da informação e do conteúdo, sempre passando a informação correta, utilizando diferentes estéticas e trazendo o cidadão cada vez mais para dentro da gestão. Compreender a lógica do tempo real e da comunicação direta é essencial. Me envolvo diretamente no processo”, finalizou.
O que dizem os especialistas
Os especialistas em comunicação e ciência política já reconhecem esse fenômeno. De acordo com Simone Evangelista, professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Estadual do Rio (UERJ), o impacto das redes sociais na comunicação política é “gigantesco” e, a seu ver, é “inviável” pensar em uma política que não passe pela comunicação digital.
“A gente aqui no Brasil tem uma penetração cada vez maior das plataformas digitais. Nós somos um país que passa muito tempo online, especificamente em plataformas de redes sociais. Então, eu diria que, hoje em dia, é inviável pensar em uma comunicação política que não passe pela comunicação nesses ambientes. Sobretudo porque a gente vai construindo também, aqui como sociedade, um lugar muito importante para os influenciadores digitais”, destaca.
Movimento ‘esperado’
Por isso, de acordo com Evangelista, é “esperado” que os políticos que queiram se comunicar com seus eleitores façam uso desse espaço para estabelecer uma conexão mais duradoura, especialmente no estado do Rio.
“E, além disso, aqui no Rio, a gente tem uma coisa muito interessante, que eu acho que é peculiar em relação a tudo isso, que é aquele estereótipo do carioca, que também imagino que se expanda para outras cidades aqui do estado. Isso tem a ver com essa coisa do humor, de um certo ‘jeitinho’ de lidar com os problemas. Então, o que eu percebo é que muitos políticos, não todos, mas muitos, fazem uso”, finaliza.
Redes sociais e opinião pública
A doutora em Ciência Política e professora deste departamento da Universidade Federal do Rio (UFRJ), Mayra Goulart, também compartilha um pensamento parecido. Ela destaca que esse fenômeno na comunicação dos políticos do estado passa principalmente pela ascensão das redes sociais como uma nova tecnologia de comunicação e o impacto delas no conceito de opinião pública.
“A esfera pública é o espaço onde as informações produzidas são discutidas. Antes, esse espaço era predominantemente ocupado pela classe média, que realizava os debates e, de certa forma, decodificava e retransmitia essas discussões para as classes populares. Essa mudança estrutural, gerada pela ascensão das novas tecnologias, novas mídias e novas formas de comunicação, fragmenta os formadores de opinião, que antes estavam concentrados na mídia tradicional e nos intelectuais”, explica.
Os ‘formadores de opinião’
De acordo com Goulart, atualmente, com uma maior diversidade de formadores de opinião, não apenas da elite intelectual, mas também de pessoas de diferentes formações, a esfera pública se tornou mais acessível, o que teve impacto direto, a seu ver, na comunicação dos políticos e prefeitos.
“Eles têm uma preocupação maior em incluir a população, que agora acessa essa esfera da formação de opinião, antes restrita às elites, mas agora acessível a pessoas de diferentes classes e com diferentes formações. Para alcançar um grande público, é fundamental entrar nesses espaços. Isso significa que, além de produzir conteúdo mais acessível e visível, o conteúdo precisa ser visualmente impactante, emocional e adaptado a cada subgrupo, com um toque mais personalizado”, afirma.
‘Populismo digital’?
Ainda segundo a especialista, que também é coordenadora do Laboratório de Partidos, Eleições e Política Comparada (LAPPCOM), esse movimento também traz seus desafios e perigos. Ela destaca, por exemplo, como essa ideia de “conexão direta” entre o líder político e a população, característica clássica do populismo, também está presente nessa comunicação dos prefeitos, com um tipo de “populismo digital”.
“O populismo se caracteriza por alguns elementos. Um deles é o ‘people-centrism’, a ideia de que o líder tem uma conexão direta com o povo e é a encarnação desse povo, fazendo com que ele se comunique de forma a demonstrar que sabe o que o povo quer. Essa perspectiva de comunicação direta com o povo é muito presente na forma como esses prefeitos se comunicam, frequentemente falando diretamente pelo celular e compartilhando seu dia a dia, como se estivessem se comunicando de maneira direta com os cidadãos”, destaca.
Perigo de ‘desqualificar’ essas estratégias
No entanto, embora acredite que isso perpassa a ideia de um “populismo digital”, ela destaca que não dá para “desqualificar essas estratégias midiáticas”. Esse modelo midiático de se fazer política, de acordo com Mayra, é necessário, pois conversa com a forma como a população tem se informado atualmente: peças comunicativas mais emocionais, diretas, com conteúdos mais curtos e visuais.
O populismo é um termo usado para descrever práticas políticas em que líderes carismáticos estabelecem uma relação direta com as massas, sem depender de instituições políticas formais. No Brasil, esse conceito foi aplicado a políticos como Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart, especialmente entre 1930 e 1964, período conhecido como “República Populista”.
Cuidado nas caracterizações
Já Simone Evangelista traz mais ressalvas ao falar de um “populismo digital”. De acordo com ela, é preciso ter “cuidado” na hora de fazer essa caracterização, porque, segundo a especialista, a comunicação via redes sociais sempre vai ser pautada por tentativas de estabelecer essa conexão.
“Por conta das dinâmicas das redes sociais, que incluem memes e o uso de expressões específicas, muitos políticos constroem uma performance que mistura humor, carisma, opiniões e até aspectos da vida privada para criar a sensação de proximidade com o público. O populismo também está relacionado a estratégias para construir essa imagem de ‘salvador’, mas é importante lembrar que o populismo tem um caráter fundamentalmente antidemocrático. Por isso, não podemos simplesmente afirmar que essa performance é exclusivamente populista”, explica.
Tendência
Simone Evangelista finaliza explicando que esse fenômeno é uma tendência que deve continuar crescendo não só no Rio, mas no Brasil, se estendendo para outras figuras políticas além dos prefeitos, uma vez que as plataformas digitais têm cada vez mais oferecido ferramentas para aumentar essa sensação de proximidade. No entanto, segundo ela, é importante destacar os desafios desse novo formato.
“A grande questão é construir uma imagem nas redes sociais que consiga gerar essa proximidade e engajamento, mas que também seja coerente com as expectativas relacionadas à função ou cargo público que a pessoa ocupa. Portanto, o desafio será equilibrar a construção dessa conexão com a necessidade de manter a coerência. Acredito que esse será um dos maiores desafios da comunicação política nas plataformas digitais nos próximos anos”, finaliza.