As áreas do Região Metropolitana do Rio dominadas pelo tráfico são mais propensas a terem confrontos com a polícia do que as que estão sob controle da milícia, é o que aponta a pesquisa Grande Rio sob Disputa: Mapeamento dos confrontos por territórios, feito Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (GENI-UFF) em parceria com o Instituto Fogo Cruzado, analisando os anos de 2017 a 2023.
O estudo destaca que esses confrontos ocorrem não pela ausência do estado, mas principalmente por sua presença: quase metade (49%) dos conflitos na Região Metropolitana ocorreram durante ações da polícia. Tratando exclusivamente de territórios sob domínio de grupos armados, esse índice chega a quase 60%.
Mais de 70% das áreas controladas por traficantes registraram conflitos com policiais, ante 31,6% dos territórios sob poder de milicianos. Os grupos criminosos que mais enfrentaram a polícia foram o Comando Vermelho (CV), com 14.566 confrontos; seguido da Milicia, com 6.995. Outras facções, como Terceiro Comando Puro (TCP) e Amigos dos Amigos (ADA) registraram 2.365 e 1.202 ocorrências, respectivamente. De acordo com os dados, a chance de um território dominado pelo tráfico registrar confrontos é 3,71 vezes maior que a chance para territórios controlados por milícias.
Em números gerais, a cidade do Rio é o principal cenário de enfrentamento das forças: foram 19.954 confrontos com ou sem presença da polícia. Baixada e Leste fluminense tiveram 11.294 e 7.023, respectivamente. Porém, essas duas últimas áreas tiveram uma concentração de conflitos com presença policial: 56,1% na Baixada e 55,7% no Leste fluminense.
Para o coordenador do GENI, Daniel Hirata, os números demonstram que as facções criminosas e a atuação da polícia são dois fatores que deixam os territórios mais vulneráveis, o que permite uma análise para se pensar políticas públicas para essas regiões: “Porque os confrontos intensos e regulares são hiper localizados e a participação da polícia nesses casos é decisiva”.
Em média, o Grande Rio tem 17 confrontos por dia. Em sete anos, esse total chega a 38.271. Hirata, entretanto, ressalta que esses embates tendem a ser localizados. Ao longo do período estudado, o número de bairros sem confrontos superou os que registraram pelo menos um. Mesmo quando essa situação é constantemente deflagrada numa determinada área, os conflitos costumam ser pontuais e/ou de de baixa intensidade (49% dos casos). Os casos envolvendo confrontos intensos e regulares abrangem somente 3,7% dos territórios sob domínio de criminosos, o que identifica núcleos de violência crônica na RM.
A diretora de dados e transparência do Instituto Fofo Cruzado Maria Isabel Couto afirma que a identificação do padrão de violência de cada lugar auxilia na definição de “medidas a serem adotadas conforme as necessidades de cada local”.
Expansão territorial
A pesquisa identificou também um avanço dos criminosos sob territórios da Região Metropolitana do Rio. O Comando Vermelho foi o grupo armado que mais conquistou áreas entre 2017 e 2023: foram 252 novos territórios, um aumento de 12,6%. O Terceiro Comando Puro avançou menos, mas, proporcionalmente, foi o que mais cresceu, ampliando seu domínio em 64,7%, com saldo de 167 novas áreas sob seu controle. A milícia conquistou 87 localidades, o equivalente a um aumento de 10,3 em relação ao seu número inicial. Já a ADA perdeu mais de 76% do seu domínio: de 309 áreas conquistadas em 2017 para 73 em 2023.
Somente em 5,4% dos territórios houve alteração de domínio por meio do conflito. O Comando Vermelho foi o grupo armado que mais conquistou territórios por meio de disputas, tendo 45,3% entre aqueles em que houve mudança. Em seguida vieram as milícias, com 25,5%, o Terceiro Comando Puro, com 23,3% e a ADA, com 5,7%.
De acordo com Maria Isabel, os dados mostram que o conflitos não surtem o efeito esperado: “O confronto não é o principal responsável pela expansão dos grupos armados no Grande Rio. O que nos faz pensar que a atuação conflituosa das polícias também não será responsável por impedir que esses grupos continuem ganhando território. Quais as principais consequências, então, dos confrontos? A exposição da população, o medo, as escolas fechadas e o transporte interrompido, eventos tão frequentes”.
Daniel ao observar a evolução do controle territorial, complementa: “É interessante observar o nível do emprego dos conflitos como recurso estratégico. Mas esses dados são insuficientes para entendermos a expansão dos grupos armados. A última atualização do Mapa dos Grupos Armados revela que os territórios sob domínio deles dobrou em 16 anos: era 9% do Grande Rio, hoje é 18%. Ou seja, essa expansão se deve sobretudo ao que chamamos de colonização de novas áreas. E como se nota, apesar das polícias promoverem muitos tiroteios, eles são ineficazes para inibir esse processo”, conclui.