Outro dia, meu amigo Marcelo Boia fez uma provocação: será que eu conseguiria antever o mundo em que viverão, daqui a 30 anos, os jovens que hoje estão debutando? Debrucei-me sobre o tema, retrocedi três décadas comparando com os dias atuais e logo entendi que não tenho competência para atender ao desafio do ilustre filho de Limoeiro de Anadia.
Com efeito, em 1994, nenhum futurologista imaginaria a existência e a disseminação dos telefones celulares com tantas funções embutidas. Naquele ano, para se fazer uma ligação telefônica de longa distância, esperava-se a noite chegar para economizar na tarifa e fazia-se figa para os telefones fixos “darem linha”. Quem imaginaria que existiria o “streaming”, acabando com o hábito de, nas sextas-feiras, chegar em casa com uma ou duas fitas VHS, alugadas em videolocadoras — sim, já existiram videolocadoras! —, para a família assistir a filmes no final de semana?
Hoje, quem tem carro perdeu os “encantadores” programas das noites de sexta: o “divertido” prazer de ficar horas em filas nos postos de combustíveis para encher os tanques antes dos aumentos nos preços da gasolina, sempre anunciados para a zero hora dos sábados. E qual pitonisa preveria que impressoras 3D impediriam a formação de amizades entre os pacientes que, impacientes, se encontravam durante meses nas salas de espera dos dentistas, aguardando pela boa vontade dos protéticos na confecção de pontes e peças, experimentadas e ajustadas inúmeras vezes até a aprovação final? Alguém sonharia com o wi-fi, quando a lentidão da novata internet baixava uma foto tão lentamente que dava tempo de apostar quem identificaria primeiro o retratado?
Por falar em fotografia, lembrei que, nas viagens ou festinhas de aniversário, fazíamos poucas fotos para não onerar a despesa com as revelações. E quantas decepções ocorreram ao recebermos a revelação de um filme e descobrir que as fotos tinham sido “queimadas”, perdendo-se para sempre os registros de momentos tão importantes.
Essas lembranças, aliadas à velocidade dos avanços tecnológicos — alô, alô Inteligência Artificial —, se não me ajudaram a atender ao desafio do Boia, deram-me a luz necessária para questionar as inúmeras pessoas da minha geração que costumam afirmar, com assustadora convicção, que tudo na vida passada era muito melhor do que atualmente. Elas estão erradas!
Eu sempre desconfio das verdades absolutas, e esta é uma delas, mas só agora entendi que o erro está em compararem coisas diferentes como se iguais fossem.
É comum ouvirmos que os filmes de antigamente eram melhores do que os de hoje, mas comparam os melhores filmes antigos com os piores de hoje. Seria interessante fazer o contraponto, comparando os melhores filmes de hoje com os piores de antigamente. E acredito que esse procedimento deveria ser estendido para os mais diversos assuntos. No futebol, por exemplo, dizer que os times de antigamente eram melhores do que os de hoje é muito verdadeiro se compararmos o Santos de Pelé com o Vasco de Léo Pelé, o que já não é verdade quando tratamos do Flamengo de Jorge Jesus com os Mulatinhos Rosados do Bangu ou com o Olaria da Rua Bariri.
Atualmente, divulga-se que o feminicídio é muito maior do que era no passado, sem se dar conta de que, antigamente, os crimes dessa categoria eram incluídos nas estatísticas de homicídios, e, portanto, não sabemos quantos eram. É até covardia comparar o conforto dos automóveis de hoje com os do tempo em que ter “trio elétrico” era um diferencial relevante. E as mães, coitadas, tinham que fazer enxovais dos futuros filhos usando cores neutras, em vez dos tradicionais, à época, azul ou rosa. Por quê? Não existia ultrassom pré-natal.
Os ônibus urbanos, sem nem sonharem com refrigeração, faziam as sardinhas se divertirem chamando-os de “latas de gente”. Na política, os saudosistas comparam e criticam os políticos de hoje comparando-os com Covas, Ulysses, Getúlio, JK, FHC, Arraes, Brossard e outros da mesma estirpe, mas não se lembram do trio paulista: Ademar de Barros, Orestes Quércia, Paulo Maluf — e sua cria, Celso Pitta.
Finalizando, apenas para ilustrar o quanto é arriscado afirmar que “bons eram os tempos idos”, citarei alguns índices brasileiros que são autoexplicativos:
- Analfabetismo em 1990: 25% da população; hoje, 7,0%.
- Mortalidade infantil em 1990: 58 por mil nascidos; hoje, 13,8.
- Renda per capita anual em 1990: US$ 2.800; hoje, US$ 9.032.
Concluo, respondendo ao provocador Marcelo Boia, que não sei como será a vida na Terra daqui a 30 anos, mas certamente será melhor do que hoje — se os negacionistas ambientais não a destruírem antes. Ah, para aqueles que ainda preferem o passado, alerto que a expectativa de vida no Brasil, em 1990, era de 68,4 anos, enquanto hoje é de 76,4 anos.
Concordo em parte! Acredito que antigamente os valores morais eram mais sólidos. A instituição Família está se dissolvendo: filhos ameaçam pais que querem ensinar com o Conselho Tutelar; ignoram orientações, mandam a mãe calar a boca… ser honesto é ser besta e o desonesto é o “esperto”; boa fé, que era a regra, hoje é exceção. Raros são os que cultivam os valores essenciais da vida em sociedade e em família. Caminhamos para um abismo de mentes vazias e corações frios, regados a muita ostentação e milhares de “likes”.
Estávamos assistindo ao documentário de Senna, e minha filha ficou admirada quando apareceu um aparelho de fax funcionando. Ela não conhecia, e fiquei pensando como, para nós, quando surgiu, aquilo foi uma grande novidade! É incrível como as coisas mudaram tanto em apenas 30 anos. Hoje, temos tantas outras tecnologias que revolucionaram ainda mais a comunicação e tornaram o fax algo praticamente obsoleto. Esse contraste mostra como o mundo avança rápido, deixando no passado o que já foi inovação.
Prezado amigo Alfeu, muito feliz em ser mencionado em seu texto maravilhoso, concordo com tudo o que escreveu. Também acredito que muitas coisas serão melhores que hoje, mas acredito que o excesso de luz azul vai colocar todo mundo de óculos ( vou montar uma ótica), também os jogos das Bets digitais, que poderá levar a falência uma geração inteira, enfim vamos viver um dia de cada vez…
Muito obrigado pelas belas palavras em seu texto.
Com 40 anos a mais, costumo, fazer automaticamente, os comparativos, e nunca chego a conclusão nenhuma. Pois, o fator idade é determinante para estabelecer o grau de satisfação de cada um. Abraço
Excelente a sua etrospectiva .
Parabéns!
É caro Alfeu, talvez consultar a IA… Mas creio que é um bom exercício, mas não é simples. Acho que a evolução tecnológica está muito rapidamente se transformando. Julio Verne foi um visionário, suas previsões só acontecerem muito tempo depois
Certamente será melhor do que hoje…espero também!
Comparando o passado e o presente, na minha opinião, acho que o presente chegou muito rápido e cedo. Sem dúvidas, os telefones celulares se tornaram um dos principais protagonistas da nova era. Perdi as contas, de quantas vezes deixei de realizar ligações de longa distância, com telefone fixo, por não darem linha. Fui viciado durante algum tempo, em alugar fitas VHS, através das vídeolocadoras, a fim de assistir aos filmes, no final de semana, juntamente com familiares. Utilizei também o videocassete, para gravar programas humorísticos que eram exibidos nas emissoras de TV. No passado, também fui vítima nas salas de espera de dentistas, principalmente quando fui aprovado no concurso de auxiliar de escritório da Petrobras, esperançoso de uma próxima admissão. Com o advento das redes sociais, muitas coisas ficaram para trás, principalmente jornais e revistas. As máquinas fotográficas sofreram um grande golpe dos celulares, principalmente no que se refere a gravações, como também pela grande preferência pela selfie. Nunca fui interessado em assistir a filmes, mas ainda acho que os filmes de antigamente, de modo geral, eram bem melhores que os atuais. Realmente, o feminicídio cresceu atualmente, de maneira que os programas policiais exibidos diariamente na televisão, sempre têm um ou dois casos em destaques. Comprovadamente, os resultados de melhoria dos índices de Analfabetismo e de Mortalidade Infantil, são bons exemplos destacados nos tempos atuais. Enfim, chego à conclusão, que na medida que vamos envelhecendo, o presente se torna um momento, por demais preponderante.
Mais um lindo e agradável texto , o Sr me levou a refletir sobre um tema que sempre mexe comigo , não o futuro , mas o passado talvez por um pouco de medo da incerteza do amanhã , enquanto que o passado já foi descortinando diante de nós com o que é bom e o que é ruim , acho que se pudesse escolher teria nascido algumas décadas antes .
Excelente texto.
Excelente texto.
Parabéns por seus textos nesse espaço.