Aqueles da Geração X, dos Millennials ou da Geração Z, possivelmente nunca se deram conta que já houve um tempo em que não existia música de jovens ou para os jovens. Acredito mesmo que muitos antecedentes a essas gerações também nunca atentaram que, por muitos anos, os jovens foram totalmente ignorados pela música popular brasileira.
Com efeito, desde a primeira música gravada em um disco no Brasil (o lundu “Isto é bom”, em 1902) ou mesmo depois do enorme sucesso do samba “Pelo telefone”, em 1916, até final dos anos 50, a garotada só ouvia as mesmas músicas ouvidas por seus pais e avós. Os seus ídolos eram os mesmos: Pixinguinha, Orlando Silva, Augusto Calheiros, Silvio Caldas, as irmãs Batista, Dalva de Oliveira, Carmem Miranda, Inezita Barroso, Aracy de Almeida, entre outros.
Por sorte, sou de uma geração que viveu (agora já posso dizer sobreviveu) a todas essas épocas e acompanhou as enormes transformações ocorridas na política, na ciência, nos costumes e nas artes. E vi, na transição dos anos 50 para os 60, o nascimento de um movimento que se desenvolveu e libertou a juventude das músicas que herdavam dos seus ancestrais. Percebam que usei o verbo ver. Porque eu realmente vi, presenciei, estive lá. E o que aconteceu em 1959? Surgiu uma menina bonita, simpática, com voz linda cantando uma versão da canção italiana Tintarella di Luna, rebatizada como Banho de Lua. E o que foi aquilo, gente? No exterior já se fazia Rock and Roll, mas aqui foi uma revolução. Com as posteriores gravações de Estúpido Cupido e Lacinho Cor de Rosa, aquela menina, Celly Campello, mexeu com os jovens de toda uma geração.
E eu vi aquilo “com os olhos que a terra há de comer”. Com apenas 16 anos, recém-chegado a Recife, fui convidado por um amigo para uma apresentação de uma tal Celly no auditório da rádio Jornal do Comércio. Sem muito entusiasmo, fui. Foi um choque. Sai de lá deslumbrado. Algo novo estava acontecendo e eu ainda levei algum tempo para entender que o Brasil musical não mais seria o mesmo depois daquilo que assisti.
No início acompanhada por seu irmão Tony, e em seguida sozinha nos palcos, aquela paulistana mostrou aos jovens brasileiros que era possível terem seus próprios ídolos, suas músicas e seus ritmos. A partir dali, não só mudaram os estilos musicais, mas também as atitudes comportamentais da nossa juventude. O Brasil mudou, os garotos passaram a existir, a serem percebidos e terem seus interesses considerados, respeitados e atendidos. Com ela nasceu a música brasileira para os jovens, na época detestada pelos mais idosos que pejorativamente chamavam de iê, iê, iê (depois entenderam e passaram a gostar, e respeitar).
As gravadoras rapidamente perceberam que um novo e promissor mercado se abria. Os produtores musicais passaram a investir em jovens talentos.
Sem ela, tenho convicção, não haveria espaço nas TVs para programas de sucesso como Jovem Guarda e, mais tarde, para talentos como Cazuza, Rita Lee, Renato Russo e outros que tais. Ouso ir mais longe afirmando que Celly, derrubando as fortes barreiras do conservadorismo musical, tornou possível o surgimento de bandas de rock e movimentos como axé, mangue beat e até os atuais sertanejos.
Dezenas de anos depois, numa dessas coincidências da vida, conheci Eduardo Chacon, marido da Celly, meu colega na Petrobras, que me contou, sem pedir segredo, uma história pouco conhecida até pelos especialistas em MPB.
Quando se casaram, Celly trocou a carreira musical pela vida doméstica. Uns dois anos depois, ao chegar do trabalho, ele encontrou Marcos Lázaro, renomado produtor musical, que lhe apresentou o projeto, ainda secreto, de um programa musical para jovens e que seria comandado por dois rapazes e uma moça. E propôs que Celly Campello fosse essa moça. Os rapazes, disse ele, já estavam escolhidos. A grana era muito alta e a tentação foi grande, mas, depois de analisar a proposta, o casal prestigiou a vida conjugal e declinou do convite. Alguns meses depois estreou na TV Record, com bombástico sucesso, o programa Jovem Guarda, comandado por Roberto e Erasmo e… Wanderléa.
Apesar da formação forroseira e resistente as novas mudanças culturais , com o tempo , notei que se não acompanhasse ,,seria marginalizado pelos meus contemporâneos.Aderi, sem precisar abandonar o forró . Com ambos, convivo em harmonia até então.
Que legal, Alfeu. Um passeio no tempo, uma ida ao lá atrás. Também sobrevivi às épocas mencionadas em seu texto. No momento, Celly Campelo, com sua saia balão e seu cantar inovador, marcam presença no palco das minhas saudades.
Meu eterno guru!
Amei voltar as minhas lembranças, que também são suas, em um texto lindo, leve e solto….,,
Alfeu , além de Petróleo vc tb conhece muito bem a nossa história musical e seus avanços.
Excelente toda essa trajetória musical descrita no seu texto.
Bateu uma saudade gostosa desse tempo, realmente foi um marco. Gostei!!
Que pena ela ter optado pela vida conjugal e anônima. Bom para ela, ruim para nós.
Querido Alfeu Com sabedoria vc nos faz bailar no tempo. Incrível porque até na música .. muito bom saber que vc caminha por diversos caminhos . Juventude pra que ?