Outro dia eu soube que nas últimas provas do Enem houve questões relativas às Leis de Newton.
Sem dúvida, aquelas leis são pilares fundamentais da Física Clássica e são imprescindíveis para a compreensão dos movimentos e das interações entre objetos. Todavia, a tecnologia tem dado saltos fantásticos e, se é compreensível que nossos estudantes estudem aquelas leis, também entendemos que já chegou o tempo de eles dominarem conhecimentos mais atuais. Dentre elas, há unanimidade entre os experts: a inteligência artificial é a mais importante. Então, diante dessa verdade incontestável, por que estou fazendo vocês perderem tempo lendo esta obviedade? Porque isso me fez recordar um fato ocorrido há quase 60 anos.
Em 1964, um brilhante aluno, meu colega do segundo ano de engenharia, abandonou a faculdade e fez vestibular para Direito. Argui a razão daquilo e ele, prenhe de pragmatismo, me disse que engenharia era um curso obsoleto, e justificou: “Em 1957 os russos enviaram ao espaço o Sputnik 1, primeiro satélite artificial da terra. Quatro anos depois, em abril de 1961, portanto há apenas três anos um homem, Yuri Gagarin, foi ao espaço ver que a terra é azul”.
“Sim, e daí?”, perguntei.
Ele, com um olhar de quem estava falando com um idiota, continuou: “Veja você, essas coisas estão acontecendo agora, e logo um homem pisará na lua, existirão voos interplanetários, os sonhos de Júlio Verne serão ultrapassados. E nós aqui, na conceituadíssima Escola de Engenharia da Universidade Federal de Pernambuco, estamos estudando o quê? As leis de Isaac Newton. Leis formuladas e publicadas na Inglaterra, em 1687. Amigo, perceba! o homem já está no espaço sideral e nós ainda estudamos leis de quase três séculos”. E continuou: “Com esse atraso eu nunca atingirei o estado atual da ciência. Desisti, colega, velhice por velhice prefiro estudar latim nas Catilinárias de Cícero”.
Sem ter como contestar encerrei a conversa, o tempo passou e até esqueci do caso.
Esqueci até saber das Leis de Newton nas atuais provas do Enem e me dar conta de que, desde aquela conversa, nada mudou. Já se passaram mais de 60 anos do acontecido e o genial Isaac continua prestigiado e os nossos universitários ficando cada vez mais defasados dos avanços da ciência. Será que estou me preocupando à toa? Que deve ser assim mesmo? País do terceiro mundo está fadado a viver eternamente na rabeira do conhecimento científico? Não há nada que possa ser feito para recuperar, pelo menos em parte, o tempo perdido e dar às futuras gerações uma capacitação mais próxima daquela das nações ricas? Não consigo me acomodar e achar que as coisas são assim mesmo e devemos aceitá-las docilmente. Por isso, analisando o caso, percebi que agora temos uma enorme possibilidade de sair dessa situação. Talvez seja a última oportunidade de preparar o Brasil para o futuro, nivelando o nosso conhecimento técnico ao que existe de mais avançado do mundo. E isso somente será factível, e relativamente fácil, se mergulharmos fundo na inteligência artificial. Recentemente popularizada através de aplicativos como ChatGPT, Copilot, Gemini e o revolucionário DeepSeek chinês, a IA não é a novidade que aparenta ser. A sua utilização já vem de décadas e, mesmo sem sabermos, muitas coisas que utilizamos rotineiramente na área médica, cientifica e administrativa foram desenvolvidas com essa tecnologia. Desconheço alguém que desacredite que as transformações futuras nas sociedades escapem da influência da IA.
Atualmente, vemos uma grande preocupação dos governos em criar legislações que regulem essas aplicações, buscando evitar o seu uso maléfico que favoreçam atividades ilícitas na área política, espionagem industrial ou golpes financeiros. Isso é muito importante, mas é pouco. Muito pouco. O que proponho é que, de imediato, o Ministério e Secretarias de Educação se unam num abrangente programa de capacitação de professores para, no menor prazo possível, colocar nos currículos e implantar em todo país o ensino da inteligência artificial nos cursos regulares do segundo grau (quem sabe até no primeiro grau?). Tenho convicção de que com isso criaremos uma massa de jovens preparados para fazer frente às exigências e necessidades futuras, que somente serão plenamente atingidas com a utilização eficiente desse instrumento que ainda se desenvolverá tanto, mas tanto, que fará o moderno de hoje ser obsoleto amanhã. Aliado ao aspecto técnico desses ensinamentos, os professores bem-preparados influenciariam os estudantes para que os aspectos éticos na aplicação da IA fossem rotineiramente respeitados.
Muitos países já estão avançados no estado da arte, mas começando agora, organizadamente, com metas bem definidas, certamente poderemos alcançá-los. Ou fazemos isso, ou continuaremos alimentando a lenda da maçã que teria caído na cabeça do físico inglês. Está nas nossas mãos adentrar firmemente no mundo da inteligência artificial, fazendo dela um objetivo nacional permanente ou, ficaremos, por opção, no terceiro mundo. Continuaremos craques na Leis de Newton, mas definitivamente alijados do escol da sociedade mundial. Ainda é tempo!
Rio, 2025
Muito atual o seu artigo, hoje mesmo já consultei a IA várias vezes, pedindo orientações sobre vários assuntos pertinentes a viagem que estou fazendo com minha filha na Flórida .
É um caminho sem volta, daqui para frente quem não se aprofundar no estudo da IA vai ficar para trás.
Parabéns Alfeu, sempre abordando temas importantes e atuais!
Bjs
Tema bem atual.
Parabéns Alfeu
Falar de IA , sempre me leva ao passado , mas precisamente ao final da década de sessenta , e a um lugar específico , uma sala cinema , na tela o filme ” 2001 uma odisseia no espaço ” , não consigo não ficar com uma pulga atrás da orelha .