O Mapa da Fome da Cidade do Rio, estudo inédito divulgado nesta quarta-feira (29), mostrou que 490 mil pessoas são assoladas pela insegurança alimentar grave, na capital. O número é equivalente a 7,9% das residências cariocas, um salto de 300% em relação aos 2% apontado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2018.
O índice atual da cidade do Rio é mais do que o dobro do estadual, de 3,1%; e quase duas vezes o nacional, de 4,1%. Os dados do estado e do Brasil foram divulgados em abril pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD).
Ao todo, são mais de 2 milhões de habitantes na cidade do Rio que estão vivendo com algum nível de insegurança alimentar na capital, seja leve, moderado ou grave. Mulheres negras, com baixa escolaridade e no trabalho informal são as principais vítimas.
A gravidade do acesso à alimentação reflete as próprias desigualdades da sociedade fluminense: os pratos vazios são mais recorrentes em lares chefiados por mulheres (8,3%, ante 7,4 dos lares chefiados por homens) e pessoas negras (9,5%, ante 4,2% de residências chefiadas por pessoas brancas).
De acordo com os dados, a fome é mais presente em residências lideradas por pessoas com escolaridade mais baixa (16,6%); em casas onde a pessoa responsável está desempregada (18,3%) e domicílios com renda per capita mais baixa (34,7%). Na capital, a fome é mais presente na zona definida como Área de Planejamento 3 (Zona Norte, exceto a Grande Tijuca), estando em 10,1% das casas.
O índice de Segurança Alimentar, definida como a situação em que famílias tem acesso regular e permanente a alimentos em quantidade e qualidade suficiente, ficou abaixo das expectativas: na capital, ficou em 67,1%; enquanto o estadual foi de 76,2%, e o nacional, 72,4%.
O mapa traça um panorama das políticas de enfrentamento à fome. No ano passado, os únicos três restaurantes populares da cidade, localizados em Bonsucesso, Bangu e Campo Grande, atenderam a apenas 6,9% da população. As cozinhas comunitárias e o programa Prato Feito Carioca, entre os meses de agosto a outubro de 2023, foram acessados por apenas 2,1% dos moradores do Rio. O estudo aponta a necessidade de ampliação desses programas e da abertura de novas unidades de restaurantes populares.
O problema da fome anda lado a lado com questões relacionadas à saúde, como subnutrição e obesidade. A segunda está relacionada não a quantidade, mas a qualidade dos alimentos consumidos. Uma pessoa cuja dieta é baseada nos chamados alimentos ultra processados corre o risco de estar obesa e em situação de insegurança alimentar grave de forma simultânea.
O Mapa destaca que as visitas às residências de agentes comunitários de saúde são escassas: mais da metade dos cariocas (56,5%) reataram não terem recebido qualquer visita dos agentes nos últimos três meses.
A carência é sentida também em relação a um outro pilar da segurança alimentar: as unidades de acolhimento, como abrigos e albergues noturnos. Somados, os 34 equipamentos públicos e os 5 hotéis atendem a cerca de 2.000 pessoas. Em toda a cidade, há apenas um albergue voltado à população LGBTQIAP+, localizado na AP 1 (Centro e Zona Portuária). Já na AP 2 (Zona Sul+Tijuca), existem somente duas unidades de reinserção social, nos bairros do Catete e Laranjeiras.
A insegurança hídrica também é avaliada pelo Mapa da Fome, que revelou um déficit no fornecimento de água regular ou acesso à água potável em 15% dos lares. Dessas famílias, 27% se encontraram também em situação de fome. As regiões mais afetadas pela escassez de recursos hídricos são a AP 1 (Centro e Zona Portuária) com 24,3%; e a AP 3 (Zona Norte exceto Tijuca) com 21,7%.
O estudo é o primeiro do Brasil a mapear a insegurança alimentar e a fome em nível municipal, sendo resultado de uma parceria entre a Frente Parlamentar contra a Fome e a Miséria no Município do Rio de Janeiro da Câmara Municipal e o Instituto de Nutrição Josué de Castro (INJC/UFRJ). Os dados foram coletados entre novembro de 2023 e janeiro desde ano, a partir de entrevistas feitas em 2 mil domicílios nas cinco Áreas de Planejamento da cidade.