Neste sábado (15), o Rio celebra uma data simbólica e, ao mesmo tempo, controversa: os 50 anos da fusão dos estados da Guanabara e do Rio. A mudança, decretada durante o período da ditadura militar (1964-1985), teve impactos profundos no cenário político, econômico e social da região, e a decisão continua gerando debates até os dias de hoje.
A fusão entre a Guanabara e o antigo estado do Rio foi decretada durante o governo do presidente Ernesto Geisel, em 12 de julho de 1974, com sua implementação oficial a partir de 15 de março de 1975. No entanto, a medida foi tomada sem nenhum tipo de consulta popular, o que gerou grande insatisfação entre os moradores da região.
Decisão polêmica
Em entrevista, o deputado Luiz Paulo (PSD), que viveu a época enquanto trabalhava como engenheiro no Departamento de Estradas de Rodagem (DER), explica a repercusão da mudança.
“Não houve nenhuma consulta popular sobre a fusão, como plebiscito ou referendo. Foi um ato vertical dos generais de plantão, o que o tornou politicamente mal recebido, pois a população não teve a oportunidade de se expressar sobre a fusão. O governador foi nomeado, e não eleito. O almirante Faria Lima foi o escolhido para ser o governador, o que gerou um desgaste político”, afirma.
A primeira eleição direta após a fusão aconteceu em 1982, quando Leonel Brizola (PDT) se tornou o governador do novo Rio unificado. Entre o final do mandato de Faria Lima, em 15 de março de 1979, e a posse de Brizola, em 15 de março de 1983, houve um intervalo em que Chagas Freitas (MDB), ex-governador da Guanabara, assumiu o cargo por meio de uma eleição indireta.
Niterói: a antiga capital
Niterói, na Região Metropolitana, que até então era a capital do antigo estado do Rio, perdeu sua posição como sede estadual para a cidade do Rio, o que, de acordo com Luiz Paulo, gerou descontentamento na localidade.
“Já Niterói, que era a capital do antigo estado do Rio, também foi afetada, perdendo sua posição e se tornando apenas um município. A população de Niterói, assim como a da região Norte, Noroeste e Serrana do estado, perdeu o acesso direto ao governo estadual, que agora estava do outro lado da Baía de Guanabara”, afirma.
Faria Lima indicou o primeiro prefeito de Niterói após a cidade deixar de ser a capital do estado. Surpreendentemente, o escolhido foi Ronaldo Arthur da Cruz Fabrício, engenheiro nuclear sem experiência prévia em cargos executivos, que assumiu o cargo sucedendo Ivan Fernandes de Barros.
A fusão também teve sérias consequências para a Guanabara, que havia sido a capital do Brasil e, posteriormente, se tornou um estado independente com status de cidade-estado. Com a fusão, a Guanabara foi reduzida a um município dentro do novo estado, perdendo sua autonomia.
‘Há pouco a que comemorar’
Passados 50 anos, Luiz Paulo é cauteloso ao avaliar os legados da fusão. De acordo com ele, “há pouco a comemorar, exceto pela simbologia dessa data”. O deputado destaca, no entanto, que a fusão é irreversível e, hoje, é importante refletir sobre esses 50 anos sob o ponto de vista político, econômico e social.
“A segurança pública, por exemplo, continua sendo o tema central, com a população em constante insegurança. Estamos vivendo um cenário de violência, com casos diários como o tiroteio na Linha Vermelha, onde o narcotráfico segue sendo um grande problema. Para resolver essa questão, é preciso uma ação integrada do governo federal”, compartilha.
De acordo com o deputado, um dos legados positivos da fusão foi a construção da Ponte Rio-Niterói, inaugurada em março de 1974. Luiz Paulo destaca que, antes dela, o transporte entre as duas cidades era feito por barcas e balsas, o que dificultava consideravelmente o comércio e a mobilidade da população. A ponte, portanto, foi um legado importante da fusão, segundo o parlamentar.
Impacto na política local
No âmbito político, a fusão causou mudanças significativas. Uma das principais delas foi o Palácio Tiradentes, que, em 1960, após a mudança da capital federal para Brasília, passou a ser a sede da Assembleia Legislativa da Guanabara (Aleg). Só que 15 anos depois, com a fusão, o palácio passou a ser a sede da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
A mudança afetou o trabalho legislativo, segundo Luiz Paulo. Os deputados da Guanabara focavam na cidade do Rio, enquanto os do antigo estado do Rio estavam mais voltados para seus municípios e pouco conheciam os problemas da capital. Da mesma forma, os deputados da Guanabara não entendiam as questões da Baixada Fluminense e do interior do estado.
“Esse processo de adaptação foi difícil, e de certa forma, essa divisão ainda persiste até hoje, embora de forma mais difusa. No parlamento, ainda é possível identificar diferentes origens de votos. Alguns deputados vêm do ‘voto de opinião’, que é baseado em temas que permeiam todos os municípios, enquanto outros vêm do ‘voto da máquina’, ligados a padrinhos políticos como governadores ou prefeitos importantes”, explica Luiz Paulo.
A importância da democracia
Para o deputado, uma das principais marcas deixadas pelo período, por ter sido uma decisão tomada durante a ditadura militar, é a da importância da democracia. Luiz Paulo acredita que é impossível pensar no estado sem olhar para as pessoas que nele vivem.
“Sou um defensor intransigente da democracia. Para mim, uma cidade, um município ou um estado deve ser governado de maneira a respeitar a sua territorialidade e os anseios da população. Por mais inteligente que seja um gestor, ele não consegue captar os sentimentos e desejos populares de forma isolada. O território é construído justamente por meio do diálogo e da consulta à população”, finaliza o parlamentar.