A carreira de professor vem perdendo espaço entre as novas gerações, segundo um levantamento feito com dados da Universidade Federal Fluminense (UFF). Nos últimos cinco anos, os cursos de licenciatura da instituição registraram uma queda de 20% no número de alunos matriculados — um sinal que já preocupa profissionais e especialistas da área.
Exemplo disso é o caso da estudante Ana Vitória Silva, de 24 anos, que vive um processo de desencanto com a carreira. Moradora do bairro Fonseca, em Niterói, ela está prestes a concluir o curso de Filosofia, mas, ao longo da graduação, viu seu sonho de ser professora ser substituído por outro projeto de vida.
“Quando entrei na faculdade, meu sonho era dar aula. Eu me imaginava em uma escola, ajudando os alunos. Mas fui perdendo esse encanto ao ver a realidade da profissão de perto. A precariedade do sistema, a falta de estrutura, o desrespeito com os professores… tudo isso me fez repensar”, afirma.
Desafios
Ana também aponta a sobrecarga emocional como um dos fatores que a afastaram da docência.
“É um desgaste muito grande. Conheço colegas que já chegaram ao limite, com crises de ansiedade, burnout. A cobrança é enorme e o reconhecimento, quase nenhum. Hoje, quero trabalhar com redação e revisão de texto — algo que também me permita usar meu conhecimento, mas de um jeito mais saudável. Dar aula, da forma tradicional, não me motiva mais”, desabafa.
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Em 2020, os cursos voltados à formação de professores — como Letras, História, Matemática e Pedagogia — reuniam 2.241 estudantes. Já em 2024, esse número caiu para 1.783, o que representa uma diminuição de 458 alunos.
A queda não foi linear ao longo dos anos: a maior parte da perda se concentrou em dois momentos específicos, nos anos de 2021 e 2024. Em 2021, houve uma redução brusca de 469 alunos em relação ao ano anterior. Depois de uma leve recuperação em 2022, com o ingresso de 353 estudantes a mais, o número voltou a cair nos anos seguintes — com destaque para 2024, quando a perda foi de 286 alunos.
O contraste fica ainda mais evidente quando comparado aos cursos de bacharelado da mesma universidade. Enquanto as licenciaturas encolheram, os bacharelados cresceram. Em 2020, esses cursos contavam com 6.409 estudantes. Em 2024, esse número subiu para 6.952, com crescimento consistente ao longo do período. Somando tudo, houve um aumento de 543 alunos, o que equivale a um crescimento de 8,47%.
‘Desvalorização’
O professor Gaudêncio Frigotto, da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio (UERJ), acompanha o fenômeno com preocupação. Para ele, a queda na procura pela licenciatura é resultado tanto da desvalorização do trabalho quanto da figura do pofessor.
“Estamos diante de um problema estrutural. O trabalho do professor é desvalorizado em vários níveis: salários baixos, sobrecarga, múltiplas jornadas, falta de autonomia e de prestígio. Muitos docentes adoecem física e emocionalmente. Não se trata apenas de falta de vocação dos jovens, mas da ausência de condições dignas para exercer a profissão”, explica.
‘Espaço burocrático’
Frigotto, que é doutor em Ciências Humanas/Educação pela PUC-SP, também critica o avanço de algumas políticas educacionais que, segundo ele, reduzem a escola a um espaço burocrático e esvaziam o papel do professor como agente de reflexão crítica.
“Vivemos uma pedagogia do medo, em que o professor teme ser punido por discutir temas importantes como racismo, bullying, homofobia. A escola se torna um espaço engessado, dominado por apostilas e pacotes prontos. O conhecimento do professor é desconsiderado. Isso mina qualquer desejo de ensinar”, argumenta.
Função social do professor
De acordo com o especialista, “é essencial resgatar a função social do docente”. Ele defende políticas de valorização que incluam aumento salarial, formação continuada, respeito à autonomia pedagógica e reconhecimento da importância da profissão para a democracia.
“O professor precisa ser respeitado como profissional do conhecimento. Precisamos recuperar a liberdade de ensinar, de refletir e de formar cidadãos. Enquanto isso não acontecer, a carreira continuará perdendo apelo — e o futuro da educação seguirá em risco”, conclui.
Quem ainda quem ser professor vira exceção à regra
Pedro Martins, de 22 anos, é uma exceção no atual cenário de queda na procura pela licenciatura. Morador do Jardim Catarina, em São Gonçalo, ele ingressou no curso de História da UFF em 2024 com o objetivo claro de se tornar professor.
“Sempre quis ser professor. Sei que não é fácil, principalmente para quem vem de onde eu venho, mas acredito que posso fazer a diferença na vida de alunos que, como eu, vieram da favela. A educação é a única forma real de transformação que conheço. Vi isso na pele, com professores que acreditaram em mim quando nem eu acreditava”, afirma.
Pedro reconhece os desafios da profissão — como os baixos salários, a sobrecarga de trabalho e a violência nas escolas —, mas afirma que não se deixa abalar por eles. Para ele, ser professor, apesar de todas as dificuldades, é uma “forma de resistência”. Ele acredita que pode inspirar outros jovens da favela a enxergarem novos caminhos e vê o ensino da História como uma “ferramenta poderosa para promover transformação social”.