“A Praça Onze? Não conheço a história”, revela Ana Clara, moradora de Botafogo, na Zona Sul do Rio. A fala da jovem de 24 anos reflete o distanciamento de muitos cariocas em relação a esse importante local no Centro do Rio, um dos maiores polos de cultura da cidade e o primeiro palco de um desfile oficial de carnaval, em 1932.
Embora o Sambódromo seja amplamente conhecido, poucos sabem que ele fica justamente na região da Praça Onze, o berço da disputa entre as escolas de samba. Até a década de 1940, a praça era um importante ponto de encontro para diversos nomes da música brasileira. No entanto, hoje, tornou-se apenas uma lembrança distante — e o nome da estação de metrô mais próxima.
Esforço para lembrar
A aposentada Jaraci Cabral da Silva, de 72 anos, faz parte dessa memória. Ela, que mora no bairro há 36 anos, precisou se esforçar um pouco para relembrar aqueles tempos.
“Aqui tinha escolas de samba, terreirão, mas agora virou uma bagunça. Não dá pra sair daqui até ali sem ser roubado. Já ouvi muita gente dizer que aqui era cheio de música, mas depois ficou sem nada. Agora, só tem mesmo a concentração ali nos Correios e, quando é carnaval, fica cheio de camelôs”, contou.
História não passou de geração
Já para Ana Clara, de 24 anos, essa é uma história que ela não teve o privilégio de conhecer. Com a chegada da Avenida Presidente Vargas, na década de 1940, a Praça Onze foi praticamente apagada do mapa cultural carioca. Onde antes havia samba, alegria e diversão, agora restam apenas histórias, contadas por pessoas que se esforçam para manter a memória viva.
“Eu não conheço. Comecei a vir para cá por conta do trabalho, não ando muito por aqui, mas gostaria muito de saber mais sobre o passado. Sou carioca e tenho o costume de escutar samba em casa, mas não tenho muita noção de tudo isso”, explicou.
Samba, candomblé e jongo
Para o professor de História Welleson Bastos, a Praça Onze tem grande importância histórica e cultural para a população negra. Durante o período da escravidão e mesmo após a abolição em 1888, esse espaço foi um dos poucos locais onde as pessoas escravizadas, libertas e seus descendentes podiam se reunir, expressar sua cultura e fortalecer suas tradições.
“Há quem diga que o samba nasceu exatamente nesse espaço de sociabilidade. O samba não poderia ter surgido em outro lugar, pois nasceu em um ambiente de comunhão e alegria, onde a ancestralidade é cultuada e o mais velho é ouvido e reverenciado pelo mais jovem. Não há como o samba existir sem esse contexto de alegria, saudade, amor e culto à ancestralidade”, afirmou.
E esse esquecimento, de acordo com o professor, está profundamente relacionado a um processo histórico de marginalização das culturas negras no Brasil.
“Branquear a história da nação é apagar a presença negra no Brasil. Por isso, é urgente contar essas histórias e reforçar a importância da Praça Onze. Só assim poderemos disputar essa memória, valorizar a cultura negra e combater o racismo que atravessa nossas vidas em diversas dimensões”, explicou.
‘Memória é um campo de disputa’
Além disso, Welleson ressalta que a história de locais como a Praça Onze é uma memória que precisa ser constantemente defendida. Ele destaca a importância de movimentos negros, ativistas culturais e jornalistas se unirem para preservar essa história e combater o racismo estrutural. A memória, para ele, é um campo de disputa que deve ser fortalecido a todo momento.
“O estado sempre associou a modernidade ao apagamento da população negra e de sua herança. Isso foi claro com a abolição da escravidão, o ‘crime da vadiagem’ e as reformas de Pereira Passos. A abolição não só libertou os negros, mas também resultou em ações que afastaram essa população do centro da sociedade. São pelo menos dois séculos de luta contra esse apagamento. Mas a gente vai vencer. A gente sempre vence”, concluiu.
Branqueamento da sociedade??? Viva a Praça Onze, mas não tem sentido nenhum vir com essa história de racismo estrutural para abordar a decadência da região, né….