“E no cenário de tão lindo matiz, o carioca segue o domingo feliz”. Esta frase, que sintetiza o típico dia de domingo de um morador do Rio de Janeiro, é do samba-enredo “Domingo”, apresentado pela União da Ilha do Governador, no Carnaval de 1977.
Apesar de não ter ficado com a vitória (a escola foi 3ª colocada), o desfile, assinado pelos carnavalescos Alcione Barreto, Adalberto Sampaio e Maria Augusta, se tornou uma ode ao principal dia de lazer do carioca naquela época e, mesmo passados quase 50 anos, ainda consegue dialogar com os dias de hoje.
O samba interpretado pelo saudoso Aroldo Melodia, que embalou a passagem da Ilha pela Avenida Presidente Vargas, palco dos desfiles naquele ano, quando ainda nem existia o Sambódromo, é uma celebração vibrante das atividades e do espírito carioca em um típico domingo. Composto por Waldyr da Vala, Aurinho da Ilha, Ione do Nascimento e Adhemar de A. Vinhaes, “Domingo” destaca-se por sua melodia cativante e letra que retrata com precisão o estilo de vida do Rio nos anos 1970.
A letra convida o ouvinte a apreciar o amanhecer e a beleza natural da cidade, mencionando práticas dominicais como frequentar a praia, jogar futebol, velejar e soltar pipas. À noite, celebra a vida noturna carioca, com referências a boates e gafieiras, locais tradicionais de dança e música. Essas atividades refletem os hábitos dos cariocas em um tempo que a cidade vivia um período de efervescência cultural e social.
Em 1977, a União da Ilha conquistou o terceiro lugar no Grupo 1 do Carnaval carioca com esse enredo, recebendo o prêmio de Melhor Escola no Estandarte de Ouro. O samba “Domingo” é frequentemente listado entre os melhores da história do carnaval, consolidando-se como um clássico do gênero.
A diferença do domingo de 1977 para o de 2025
Comparando os hábitos dominicais dos cariocas de 1977 com os de 2025, nota-se que algumas tradições permanecem, enquanto outras evoluíram. A frequência às praias continua sendo uma atividade central, evidenciada pela orla lotada em fins de semana de calor. No entanto, a cidade passou por mudanças significativas ao longo das décadas. A urbanização crescente, a diversificação das opções de lazer e o avanço tecnológico influenciaram os comportamentos. Atividades ao ar livre, como caminhadas na orla e prática de esportes, tornaram-se mais populares.
Além disso, a vida noturna carioca se transformou. Embora as gafieiras e boates tradicionais enaltecidas na letra do samba ainda existam, novos espaços culturais e de entretenimento surgiram, atendendo a uma população mais diversa e conectada. A tecnologia também impactou os hábitos, com aplicativos e redes sociais influenciando a forma como os cariocas planejam e compartilham suas atividades de domingo.
O samba “Domingo” da União da Ilha permanece uma representação nostálgica e fiel dos costumes cariocas de 1977. Embora a essência de aproveitar o domingo esteja presente até hoje, as formas como os cariocas vivenciam esse dia refletem as transformações sociais, culturais e tecnológicas ocorridas ao longo dos anos. Quem explica como a canção “furou a bolha” e até hoje é símbolo do lazer carioca é Ito Melodia, também intérprete e filho de Aroldo Melodia, cantor original de “Domingo”.
“O samba furou a bolha mesmo. Até hoje é muito cantado. Converso com os intérpretes de outras escolas de samba e cada um deles coloca ‘Domingo’ em seu repertório. É um samba que representa a vida do carioca, o amor do carioca pelo samba, por essa cidade”, disse.
Ito tem uma história de décadas na Ilha, onde deu seus primeiros passos ao lado de seu pai e, sempre que possível, puxa “Domingo” nos eventos onde se apresenta. O intérprete destaca que, ao cantar o samba, está homenageando não apenas Aroldo, mas também o estilo vida e de se divertir do carioca.
“Na escola que eu estiver, não tem como não falar do meu pai, Aroldo Melodia. Todos os sambistas, foliões que vivem essa história da praia, do sol, das paisagens maravilhosas, o nosso futebol. Esse samba representa todo esse clamor, essa felicidade que é específica do carioca”, acrescentou.
‘Domingo’ e a magia da simplicidade
Para Ito Melodia, a simplicidade e emoção dos versos de “Domingo” foram fundamentais para que o samba permanecesse no imaginário popular até os dias de hoje, atravessando gerações. O músico ainda disse que sente falta disso nos dias de hoje.
“É um samba que marcou a história da Ilha e do carnaval carioca. A primeira coisa é a emoção, os sambas dessa época faziam a gente se emocionar, viajar no tempo, a melodia do samba. Eram sambas de fácil entendimento, com lindas e belas melodias. Hoje sinto um pouco de falta disso”, destacou.
O intérprete sublinhou que, em “Domingo”, o folião canta, chora, se emociona, se vê naqueles versos. Ao passo que, hoje em dia, as construções de sambas-enredo são cada vez mais rebuscadas, complexas.
“Hoje os sambas são mais estudados, complexos, e às vezes acaba perdendo um pouco da essência do carnaval. As letras dos sambas de antigamente eram mais fáceis. ‘Vem amor, vem à janela ver o sol nascer. Na sutileza do amanhecer. Um lindo dia se anuncia’, olha que coisa linda”, pontuou.
‘Devo minha vida ao carnaval’
Ito Melodia também comentou sobre seu atual momento no carnaval, após conquistar o quinto prêmio Estandarte de Ouro por sua performance à frente do carro de som da Unidos da Tijuca, Além disso, o artista trabalha no lançamento de seu primeiro DVD além de militar em prol da causa do autismo, que abraçou há 10 anos.
“Trabalho com autismo há dez anos, tenho um projeto social chamado ‘O Anjo Azul do Samba’, aprovado pela Lei Rouanet, e estou lançando meu primeiro DVD carreira solo, um presente que ganhei da Prefeitura de Santos, no Cais do Porto. Devo minha vida ao carnaval”, afirmou.
Por fim, o intérprete explicou como foi sua preparação para o carnaval deste ano. Na última semana, foi anunciada sua saída da Unidos da Tijuca. O cantor ainda não tem definida qual escola defenderá no carnaval de 2026.
“Me preparei muito. Meu pai de santo Alex cuida da minha parte religiosa e espiritual. Minha esposa cuida da minha alimentação, tem a Sheila que faz a minha roupa. Todo um preparo de natação, de fono. Este ano me preparei muito. Sabia que não ia ser fácil, mas este ano me preparei como nunca”, concluiu.