O governo do estado e a Prefeitura de Niterói anunciaram, na última semana, a redução na passagem das barcas na linha Arariboia x Praça Quinze, que passará de R$ 7,70 para R$ 4,70, a partir de 24 de março. A nova tarifa também acompanha a mudança no catamarã Charitas, que, com adoção de uma tarifa social, agora vai de R$ 21 para R$ 7,70. No entanto, a maré de mudanças ainda gera questionamentos sobre o equilíbrio financeiro.
Os valores refletem a reestruturação na gestão do transporte aquaviário do Rio de Janeiro, não só na mudança da concessionária responsável — sai CCR, entra o consórcio Barcas Rio —, como também em um novo modelo de contrato. Agora, fica estabelecido que o poder público será o responsável pela fiscalização, pagamento e definição de investimentos futuros, consistindo em uma execução indireta, o que assegura total controle sobre a prestação do serviço.
Ou seja, a receita da tarifa paga pelo passageiro passará a ser do governo do estado, que agora tem a liberdade para ajustar a grade horária de viagens e o valor da passagem, além de utilizar para pagamento de parte do valor do contrato. Outra mudança é a consolidação de um convênio entre a Prefeitura de Niterói e o estado. No acordo firmado entre as partes, o município pagará uma parte do custo, cerca de R$ 2 milhões por mês, enquanto a diferença será coberta pelo governo estadual.
Novo modelo não é unanimidade
Ainda no fim de 2024, o novo contrato de concessão das barcas já estava imerso em controvérsias. O Tribunal de Contas do Estado (TCE) chegou a emitir uma orientação para que a Secretaria estadual de Transportes e Mobilidade Urbana (Setram) não assinasse o contrato com a nova operadora. A Coordenadoria de Auditoria de Políticas em Mobilidade e Urbanismo (CAD-Mobilidade) encaminhou ao tribunal representação apontando irregularidades no acordo.
Segundo o voto da conselheira Marianna Montebello Willeman, havia incongruências no cálculo de Benefícios e Despesas Indiretas (BDI), elaborado pela Setram. O TCE apontou que isto poderia gerar um prejuízo que pode chegar a R$ 389,7 milhões. Willeman apontou ainda a falta do detalhamento e estimativa no edital em relação à Receita Não Operacional Variável.
Antes do certame, o TCE já havia apontado irregularidades no processo. Relatório aponta que, conforme dados do edital, a receita da operação, que na maior parte é composta pela tarifa, representa apenas 25% dos custos, enquanto o estado terá que arcar com R$ 1.5 bilhões ou R$ 300 milhões/ano, complementando os 75% da operação.
Adesão dos usuários às barcas pode ser decisiva
O subsídio concedido pela Prefeitura de Niterói para a tarifa na linha Charitas, precisou passar pela Câmara de vereadores do município. Apesar de ter sido aprovada, a proposta não escapou das críticas. Entre as mais citadas, está uma suposta ausência de estudo de demanda para garantir que o fluxo aumentará com a diminuição da passagem, o que justificaria o investimento da prefeitura.
Outra crítica se dá para uma ausência de transparência no acesso ao contrato do convênio com o estado. Vereadores da oposição também cobraram uma audiência pública para debater a mudança e apresentar respostas concretas para a população da região, sobre como vai funcionar o subsídio de até R$ 2 milhões por mês.
Para Carlos Cova, economista e especialista em concessões e Parcerias Público-Privadas (PPPs), a conta dessa parceria, financiada também pelos contribuintes, até pode fechar, porém, o poder público terá que honrar sua parte.
“Como essa conta não fecha, se o estado, por critérios de escolha política desejar que o usuário pague um valor menor da tarifa, necessariamente deverá custear a diferença necessária para que o concessionário não perca a sua lucratividade prevista em contrato. A coisa funciona desde que cada um cumpra a sua parte, ou seja, o concessionário oferte o serviço estabelecido no contrato de concessão e o estado, seja a esfera estadual, ou, no caso específico, a esfera municipal, não deixe de honrar a sua parte” diz.
O especialista, no entanto, concorda com parte das críticas sobre uma suposta ausência de participação popular na tomada de decisões, em aspectos que impactam diretamente a vida dos usuários do transporte aquaviário.
“No fundo, todos os contribuintes de Niterói estão pagando pela redução das tarifas dos usuários. Esta é a questão que deve ser posta: todos os contribuintes concordam com isto? Por que não custear a tarifa apenas para aqueles que não podem pagar em virtude de terem renda mais baixa? Será justo que todos paguem, por exemplo, para um servidor do judiciário atravessar a baía para ir trabalhar no Tribunal de Justiça? Ou um servidor da Assembleia Legislativa?”, acrescenta o especialista.
Cova frisa que, para que o investimento da prefeitura se justifique, será preciso contar com um elemento fundamental: a boa vontade dos usuários. Ou seja, para que tanto moradores da região, quanto todos aqueles que precisam transitar entre Niterói e Centro do Rio, façam a escolha pelo transporte aquaviário.
No caso de Charitas, de acordo com a gestão municipal, a expectativa é que o fluxo de passageiros aumente em até 50%, o que representaria até 7.500 usuários por dia. E que até cinco mil veículos a menos circulem pela cidade nos horários de pico, o que iria contribuir diretamente para a redução do tráfego em avenidas como a Roberto Silveira, em Icaraí.