Como eu nunca tive Orkut, Facebook, Instagram, Telegram, X, TikTok, Truth Social e outras plataformas de redes sociais, exceto o WhatsApp — que me permite falar gratuitamente com o mundo inteiro —, demorei a me dar conta e entender algumas expressões cada vez mais comuns: “cancelei”, “fui cancelado”, “vou cancelar”. Os adeptos das redes chamam de cultura do cancelamento.
Quando entendi, ao invés de me sentir deslocado ou ultrapassado, concluí que não há nenhuma novidade. São apenas novas expressões para o que, na minha juventude, chamávamos intrigar ou ficar de mal. Quando você queria deixar de falar com uma pessoa dizia: “eu me intriguei de fulano” ou “estou de mal com ele”. Quando comentava de alguém, dizia: “beltrano se intrigou de sicrano”. Não ficava escrito e nem era divulgado para o mundo inteiro, mas as pessoas atingidas sabiam que tinham perdido um amigo ou um conhecido, não necessariamente amigo. E aquilo valia até que um dos dois envolvidos procurasse o outro e, num gesto bonito, com humildade e altruísmo, propusesse: “Vamos acabar com esta bobagem?”.
Deve ser coisa da minha idade alimentando os conflitos de gerações, mas não consigo entender por que uma pessoa que resolveu espontaneamente seguir outra, em alguma rede social, precisa divulgar pra Deus e o mundo que está cancelando aquele vínculo que ele próprio criou. Acho que é pura busca de protagonismo, tentando tirar proveito da notoriedade do seguido que, na maioria das vezes, nem sabe da existência do seguidor. E pior: nem toma conhecimento do cancelamento.
Um outro comportamento que parece ser uma novidade das redes sempre existiu com outros nomes. Os caluniadores, difamadores, detratores, maledicentes e odientos agora são, sofisticadamente, chamados de “haters”. Frescura de subdesenvolvidos, ou como satiriza um amigo inteligente: coisas de “Can’s Turner Complex”.
Espantoso, para mim, é a imensa quantidade de pessoas despreparadas que ficam postando bobagens e, sob o título de “influencers”, são seguidos por milhares de pessoas ávidas por futilidades. Outro amigo meu, arguto observador, diz que existem pessoas sérias, competentes e geradoras de conteúdos de ótima qualidade e inegável valor, mas são poucos. Na maioria, diz ele, os “influencers” sobrevivem às custas dos “idioters”.
Outro dia, conversando com jovens entre 20 e 30 anos de idade, amantes do TikTok, descobri que nenhum deles já ouviu falar em Ângela Maria, Cauby Peixoto e Grande Otelo. Jorge Amado, Érico Verissimo e José Lins do Rêgo também são completamente desconhecidos. Sobre Gilberto Freyre, Cesar Lattes ou Cecília Meireles, nem me arrisquei a arguir. A justificativa para a ignorância foi unânime: “Como conhecê-los, se todos esses caras já tinham morrido quando nós nascemos?”. Então, perguntei se sabiam quem foram Napoleão Bonaparte, Princesa Isabel, Jesus e Tiradentes. Todos responderam que sim, que sabiam quem tinham sido. Retruquei mostrando surpresa, pois tinha quase certeza de que todos os quatro também tinham morrido antes daqueles jovens terem nascido. Fui respondido com o mais completo silêncio, seguido de uma debandada geral.
Por tudo isso, e antes que alguém me chame de velho ranzinza e ultrapassado, informo que apenas estou concordando com o alerta grosseiro atribuído ao escritor, filósofo, professor e linguista Umberto Eco: “A internet é uma boa coisa, mas deu vida e voz a um bando de imbecis”. Obviamente, a opinião do intelectual italiano se aplica a uma minoria dos usuários das redes sociais, mas é um grupo barulhento, agressivo e atuante, dando a impressão de que se multiplica em geométrica progressão.
Pensando melhor, acho que, para evitar aborrecimentos com essa turma, devo ignorar essas modernidades e assumir, definitivamente, a minha ranzinzice etária.
Muito bom. Muito atual. Alfeu está cada vez melhor.
Atualizadissimo.
Parabéns, excelente texto .
Nunca tinha visto com esse olhar.
Não sabemos nem como agir. Evita rugas e rusgas
Boa tarde. Gosto muito das suas crônicas narrativas. Adorei a que vc fala da bibliotecária e da professora de Garanhuns e do critério utilizado no processo de seleção da Petrobras.👏👏👏
Ah, também tem o “deletei fulano” kkkkkkkkk
Muito Bom!!!!
A modernidade nos desafia a exercer cada vez mais a sabedoria. Os “idioters”, parece, são maioria e não cair nas armadilhas deles é um exercício de auto controle.
Deletar, bloquear, sair do grupo, viraram rotina.
Quando “ignorar” continua a mesma virtude ao longo dos tempos.
Talvez o que eu mais faça hoje seja “ignorar” do quer ler. Haja tempo útil desperdiçado.
Abraço Alfeu.