Raiva? Não, raiva é pouco, muito pouco. Hoje eu acordei foi com ódio das pessoas, das autoridades, das instituições, dos políticos, das redes sociais e da imprensa, mas, principalmente, de mim mesmo. Acordei foi muito puto com a minha própria passividade diante de tudo o que vem acontecendo no nosso Brasil, em franca deterioração sob todos os aspectos: econômicos, morais, sociais e políticos. Depois de muitas décadas acreditando no brasileiro “homem cordial”, de Sérgio Buarque de Holanda, finalmente caí na real e, mais do que decepção, fui tomado por um sentimento de revolta. Revolta pela minha impotência, por nada poder fazer. E tomar consciência de que aqueles que podem agir se fingem de mortos.
Convivemos há anos com problemas solúveis, mas que pela perenidade parecem não ter solução. Violência, tráfico de armas e drogas, saúde, educação, desmatamento, grilagem de terras, poluição, estradas sem conservação, pontes caindo, corrupção, rachadinhas, emendas secretas, etc., já fazem parte do nosso cotidiano e as seguidas reeleições de políticos, que só pensam em si próprios, demonstram cabalmente que nós, eleitores e sociedade civil, já aceitamos tudo isso dentro de uma normalidade execrável. Pois bem, se a falta de cuidado com esses problemas já era motivo para meus protestos sem eco, a passividade com que a sociedade está aceitando as propostas de rasgar a constituição aprovando a anistia, que tramitam no Congresso Nacional, me faz perder a esperança no país.
Os órgãos que representam a sociedade civil parecem não ver que, descaradamente, esses projetos não apenas fingem buscar perdão para os pobres-diabos injustiçados pelos vandalismos do 8 de janeiro, mas, na verdade, escondem os verdadeiros objetivos embutidos nos seus parágrafos pouco divulgados. Todavia, estão lá, bem explícitos, a anistia dos que deram apoio financeiro, logístico ou intelectual, a anistia para envolvidos em movimentos golpistas anteriores ou subsequentes à data da invasão dos prédios dos Três Poderes, a aprovação de que os anistiados fiquem elegíveis e sejam canceladas as multas já aplicadas. E mais: ao estabelecer que a anistia valerá para os atos executados até a data da publicação da lei, fica automaticamente dada autorização legal para, até lá, golpear a democracia brasileira. Não precisa ser nenhum gênio para perceber que os apoiadores desse projeto não estão nem aí para a vida dos invasores do dia 8 de janeiro. O interesse é apenas abrir brechas legais para impedir a condenação dos figurões que promoveram a tentativa de golpe.
É assim mesmo? Nada pode ser feito para impedir os congressistas legislarem em causa própria? Vamos todos fingir que não percebemos a tramoia? Cadê a imprensa? Cadê a OAB? Cadê os estudantes caras-pintadas? Cadê a Janaína Paschoal? As universidades? Nada? Todo mundo submisso aceitando esse projeto claramente inconstitucional e mal-intencionado? Como pudemos deixar as coisas chegarem a esse ponto?
Pois bem, estava eu remoendo solitariamente a minha inútil angústia, a íntima rebelião contra tudo e contra todos, a minha decepção com a vida pela certeza de que nada mudará antes da minha morte, quando fui brindado com um texto inteligente, sutil, bem redigido e com uma dose de humor que me fez sair um pouco da quase depressão que me assolava. O autor, meu colega Sérgio Bandeira de Mello (Gico), cujo único defeito é ser flamenguista, gentilmente me autorizou a divulgá-lo. Talvez outras pessoas precisem dele tanto quanto eu. Vamos a ele!
Leio que o líder — ou pastor — do PL, de nome Sóstenes, correu para protocolar o projeto de lei que amplia os limites da anistia aos golpistas até as fronteiras do inimaginável.
Pois imagino o parlamentar dito liberal botando os bofes para fora, com 262 assinaturas conservadoras debaixo do braço.
A pretendida anistia perdoará qualquer crime hediondo, vale tudo. Em se tratando da Câmara dos Deputados, useira e vezeira em acobertar colegas surpreendidos pela justiça, o texto desce tão redondo quanto uma Skol, falcatrua na lata, mas vale o que vier. Só não pode dançar homem com homem e nem mulher com mulher. Coisas da Bíblia, da família, aliás, de determinada família, sagrada para o prócer da bancada evangélica.
Mesmo assim, ressalvada a conotação negativa do verbo dançar, no sentido de o criminoso em questão ser fisgado pela lei.
Isso porque a impunidade estará amarrada até a data de aprovação do projeto de lei.
Daí que, ainda mais que 007, que tem licença para matar, cada patriota terá licença para derrubar o governo e, em nome da ação de revanche golpista, sequestrar, invadir, destruir, passar batom e apunhalar de verde e amarelo os governantes e ministros do Supremo, tudo na promoção de Sóstenes, cujo nome já é de matar.
Curioso que sou, pesquisei na internet a origem do nome, tão grego como um iogurte de validade vencida.
E vejo que na Wikipédia que Sóstenes era o governante-chefe de uma sinagoga em Corinto, um importante rabino que foi espancado em praça pública por gregos e romanos.
Quem sabe, metaforicamente falando — que fique claro! — o deputado bolsonarista acabe por honrar o seu nome?
A ágora dos Três Poderes, acostumada à violência perdoada, seria um bom palco para a execração do Pl. Ou dos PLs, melhor dizendo.
Rio, 2025
Olá, Alfeu. Permita-me pegar carona na sua indignação. Como dizia um velho amigo, “haja fralda limpa!”
Olha meu caro desta vez temos que aplaudir de Pe
A coisa está feia com o nosso Brasil. Deterioração é apelido. Estamos de mãos atadas. A violência está imperando e os congressistas continuam legislando em causa própria. E a novela dos invasores de 8 de janeiro continua. O Sérgio Bandeira de Mello (GICO), foi muito feliz quando elaborou o texto que trata da anistia aos golpistas. Enfim, do jeito que as coisas andam no nosso país, não sei aonde vamos parar. Alfeu, seus comentários sobre essa Pandemia Política, retratam a pura realidade. Mais uma vez, parabéns.