Há cerca de um mês, o carioca vem presenciando um fenômeno nada natural: um mar vermelho invadiu a cidade. É que a publicidade desabou com toda a força no maior espetáculo da Terra. E, como dizem os entendidos no riscado, o resultado não é, exatamente, um carnaval bonito.
No jargão dos propagandistas, cada boné distribuído, cada balão de gás, cada guarda-sol acoplado a um carrinho de ambulante, com o nome e a logo do patrocinador, é chamado de “ativação” da marca.
E neste balneário, as marcas estão ativadas como nunca.
O veteraníssimo Simpatia é Quase Amor, que desfilou no último fim de semana pela orla de Ipanema, canta em verso e prosa —inclusive nas letras dos seus 41 sambas — que suas cores são amarelo e lilás. Mas quem o viu passar pela Avenida Vieira Souto no sábado de sol pode nem ter desconfiado. O bloco era só o vermelho da Brahma nos carrinhos dos vendedores de cerveja.
O Bloco da Favorita, do circuito dos mega blocos, foi outro. Visto do alto, todo pintado de vermelho, contrastava com os prédios históricos do Centro do Rio.

No chão, a sensação de afogamento não melhora. A Ambev está na rua com o chapéu da Brahma (olha ela aí de novo, onipresente). O Ifood vem de viseira. Assim como o Mercado Pago.
O mar de propaganda substituiu a decoração de rua que, no milênio passado, preparava o Rio para o carnaval. A polêmica, nos tempos idos, era se a decoração era “cafona”, “bonita”, “alegre”, “colorida” — melhor ou pior do que no ano anterior.
Mas, hoje, a discussão é “quem vê a folia embaixo de tanta propaganda?”. Não é à toa que a publicidade é banida no chão da Marquês de Sapucaí. Ali, o que se vê é fantasia, alegoria e gente.
A quem interessa tanto vermelho?
A Dream Factory — que detém o caderno de encargos do carnaval desde que o prefeito Eduardo Paes (PSD) criou essa modalidade no ziriguidum das ruas — instala os banheiros químicos, põe operadores de trânsito nas ruas para desfazer os nós e disponibiliza ambulâncias para atender acidentados e bebuns. Em troca, tem o direito de vender o espaço público aos seus parceiros comerciais.
Nada contra a parceria para viabilizar o carnaval. Só que os moradores da cidade, que convivem com a inesperada tsunami vermelha, precisam saber o quanto a empresa arrecada com a publicidade, e quanto paga pelos direitos de comercialização à prefeitura.
Conta a lenda que a prestação de contas não resistiu à batucada, saiu num dos blocos e, ao contrário da carmelita histórica de Santa Teresa, ainda não voltou.