Há 70 anos, em 24 de agosto de 1954, o Brasil vivia um momento de profunda crise política e emocional com o suicídio de Getúlio Vargas, então presidente da República. O ato, no Quarto Presidencial do Palácio do Catete, não apenas marcou o fim de uma era política, mas também deixou um legado duradouro na política nacional e na imagem pública de Vargas.
Para recordar da data histórica, o palácio, onde hoje funciona o Museu da República, na Zona Sul do Rio, reabrirá neste sábado (24), a partir das 11h, o Quarto Presidencial para visitação do público. No local estarão expostos itens históricos como o pijama de seda que Vargas usava naquele 24 de agosto e a arma que ele usou para “sair da vida e entrar na História”.
Vargas, que havia governado o Brasil em duas fases distintas — via revolução se tornando depois chefe do Estado Novo (1930-1945) e depois como presidente eleito (1951-1954) —, enfrentava uma crescente pressão política no final do seu segundo governo. Acusado de envolvimento no atentado contra o jornalista Carlos Lacerda, seus dias no poder estavam à beira do colapso. A oposição, unida em torno do Comitê de Defesa da Democracia, exigia sua renúncia, e a situação parecia insustentável.
O suicídio de Vargas não só precipitou sua saída do poder, mas também transformou-o em um mártir político, de certo modo revertendo a opinião pública a seu favor. Sua decisão de tirar a própria vida em meio a um clima de turbulência aumentou a polarização sobre de sua figura. A mensagem deixada em sua carta-testamento, na qual se apresenta como vítima de uma trama contra seu governo e de traição, ajudou a construir uma narrativa de sacrifício e injustiça.
“Saio da vida para entrar na História”, diz o trecho mais emblemático da carta-testamento.
Desdobramentos políticos
A reação popular ao suicídio de Vargas gerou uma onda de comoção e apoio entre seus simpatizantes, consolidando a imagem de Vargas como um “herói nacional”. Seu legado perdurou através das décadas, influenciando a política brasileira e o debate sobre o populismo e o papel do Estado na economia e na sociedade.
Nos anos seguintes, a figura de Vargas passou a ser reinterpretada, com uma parte da sociedade brasileira buscando resgatar e idealizar seus feitos, principalmente na área de desenvolvimento econômico e justiça social — o trabalhismo de Getúlio. Sua política de intervenção econômica e reformas trabalhistas foram vistas por muitos como avanços significativos, apesar de suas medidas autoritárias durante o Estado Novo.
Dessa maneira, o suicídio de Getúlio Vargas não apenas selou o destino de sua carreira política, mas também deixou uma marca na história do Brasil. O doutor em História, Política e Bens Culturais pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e autor do livro “Brizola 62”, Guilherme Galvão Lopes, comentou sobre como episódio ajudou a construir o mito em volta de Vargas além de fortalecer o trabalhismo no Brasil.
“Foi um dos eventos mais drámaticos e importantes da história. Possibilitou a criação de um mito em relação a sua figura e também favoreceu a perpetuação do trabalhismo como tradição política, dentro do cenário brasileiro. Assim como ocorria na década de 1960, em que partidos que não possuíam afinidade ideológica com o varguismo adotavam o trabalhismo em seu nome”, destacou.
Ainda na esteira da propagação do trabalhismo, Galvão Lopes citou as disputas pela continuidade do legado de Vargas. Um dos episódios mais emblemáticos aconteceu na década de 1980, quando a sobrinha de Getúlio, Ivete Vargas, e Leonel Brizola disputaram o registro do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), antiga legenda de Getúlio. Ivete levou a melhor na Justiça e Brizola fundou, então, o Partido Democrático Trabalhista (PDT).
“Na década de 1980 houve as disputas ideológicas entre os grupos de Leonel Brizola e de Ivete Vargas, que deram origem ao PTB e ao PDT. Há ainda o PRTB de Pablo Marçal, por exemplo, que não tem qualquer tipo de relação com o varguismo, mas carrega o trabalhismo em seu nome. De qualquer forma, a figura de Vargas e o trabalhismo estão presentes como importante polo no cenário político brasileiro”, acrescentou.
O atentado da Rua Tonelero
O atentado da Rua Tonelero, ocorrido em 5 de agosto de 1954, foi um evento crucial que exacerbou a crise política que levaria ao suicídio de Getúlio Vargas.
O ataque visava o jornalista Carlos Lacerda, um crítico feroz do governo Vargas. Este atentado foi amplamente atribuído a forças ligadas ao governo de Getúlio, gerando um clamor público por explicações e aumentando a pressão sobre o presidente.
A resposta ao atentado foi imediata e a oposição política, liderada por Lacerda e seus aliados, utilizou o evento para fortalecer sua campanha contra Vargas, acusando-o de envolvimento direto na tentativa de assassinato e de manter um regime autoritário.
A comoção pública e a indignação alimentaram manifestações em diversas cidades, exigindo a renúncia do presidente. Esses atos, juntamente com a pressão da imprensa e dos políticos opositores, minaram ainda mais a posição de Vargas.
Adiamento do golpe militar
O suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, teve um impacto significativo no cenário político brasileiro. Vargas, que havia retornado ao poder em 1951, enfrentava crescente oposição e crise política. Seu ato de suicídio, ocorrido em meio a um ambiente de instabilidade e pressões militares, gerou uma comoção nacional e alterou o curso imediato dos eventos políticos.
Segundo diversos especialistas, a ausência de Vargas fez com que o processo de enfraquecimento do governo fosse acelerado, mas também interrompeu as mobilizações que poderiam ter precipitado um golpe militar de forma mais imediata. Em vez disso, a sucessão presidencial e a estabilidade temporária que se seguiram contribuíram para que o golpe militar, que viria a acontecer em 1964, tivesse sido adiado por quase uma década.