O Governo do Estado do Rio de Janeiro firmou um acordo de cooperação técnica com a Associação Brasileira d’A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, também conhecidos como mórmons, para digitalização de documentos de “valor genealógico”. A entidade, cabe ressaltar, gerencia a plataforma de pesquisa genealógica “FamilySearch” no Brasil.
A associação não receberá nenhum valor pela realização do serviço. No entanto, como contrapartida, o Estado permitirá que ela fique com os documentos digitalizados a fim de abastecer o FamilySearch. A entidade coleta dados de diversos órgãos e secretarias da administração pública estadual. Os originais permanecerão em posse do Poder Executivo.
O acordo vale para declarações de óbito entre 1960 e 2021, registros de identificação civil anteriores ou do ano de 1920, além de outras documentações que tenham “valor genealógico”. Todavia, especialistas ouvidos pelo TEMPO REAL alertaram para riscos de possíveis conflitos com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Desse modo, o advogado especialista em Direito Digital e Proteção de Dados e sócio do Godke Advogados, Alexander Coelho, alertou que a cessão de dados públicos para entidades privadas, mesmo que sem fins lucrativos, deve ser analisada sob a ótica da LGPD e da legislação específica aplicável aos dados públicos.
“A LGPD exige que o tratamento de dados pessoais seja realizado com base legal adequada, garantindo transparência e consentimento. A legislação estabelece ainda diretrizes para a organização, gestão e acesso a documentos de arquivo, além de exigir autorização específica para a cessão de documentos públicos a entidades privadas”, disse Coelho.
Além disso, o advogado disse que aqueles que se sentirem com a privacidade violada podem até mesmo entrar com ações judiciais contra o Estado. Coelho também citou que o governo deveria ter a expertise necessária para digitalizar seu acervo ao invés de terceirizar o trabalho a outras entidades.
“O Estado e a entidade privada podem ser alvo de ações judiciais por violação de privacidade e proteção de dados. O Estado deveria desenvolver a expertise e os recursos necessários para realizar a digitalização de documentos internamente. Isso garantiria maior controle e segurança sobre os dados”, acrescentou o especialista.
Esclarecimentos necessários
Já o advogado Carlos Cova, do Grupo Agir Consultoria, cobrou que haja maiores esclarecimentos sobre a cooperação. Entre os pontos suscitados pelo especialista estão se há violação da LGPD e da salvaguarda de informações que deveriam estar protegidas e também em relação à capacidade técnica da associação.
“Todo ato administrativo deve ser motivado. Qual a motivação e qual a finalidade dessa parceria? Embora em princípio não haja ônus, existem valores intangíveis que possam ser indiretamente transferidos no bojo dessa cooperação. Todas essas são questões relevantes que deveriam ser preliminarmente respondidas”, pontuou.
Estado nega violação à LGPD
O Governo do Estado afirmou que não permitirá a utilização das imagens digitais pela Associação fora dos moldes previstos na LGPD. Inclusive, o uso deve preservar a integridade de dados pessoais, de acordo com termo assinado pela própria Associação.
Cidadãos que queiram acessar os documentos podem fazer a solicitação à Diretoria de Identificação Civil do Detran, detentor dos arquivos. Aqueles que não quiserem ter seus dados compartilhados com a associação, podem solicitar diretamente ao Detran.
Por fim, o Estado esclareceu que o objeto do Termo é somente de interesse genealógico. A previsão de conclusão desse trabalho é até o final deste ano.
Também procurada e questionada sobre o acordo, a Associação Brasileira d’A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias não se manifestou.