Não ia a Irajá desde 2018 quando, inspirado pelos filhos do bairro Nei Lopes e Flávia Oliveira, este #RioéRua visitou a Igreja de Nossa Senhora da Apresentação, a igreja mais antiga do Rio de Janeiro ainda de pé, erguida em 1613 – as poucas construídas antes foram demolidas. No caminho pela Avenida Monsenhor Félix, passei – e nem reparei – numa peixaria de bairro, misturada a loja de colchão, barbearia, salão de beleza, churrascaria e outros estabelecimentos anunciados pelo serviço de alto-falantes, veículo de propaganda ainda ativo pelos subúrbios da cidade.
Seis anos depois, é o endereço na Monsenhor Félix 565, a cinco minutos a pé da estação de Metrô de Irajá que me traz de volta ao bairro. A peixaria virou Bar da Peixaria Divina Providência, vencedor do concurso nacional do Comida di Buteco, tradicional competição de petiscos criada em 2000, depois de ser campeão da etapa carioca. A antiga peixaria, propriamente, mudou-se para um ponto maior – a poucos metros do endereço original e ainda mais perto da estação do metrô – e, desde o ano passado, passou a chamar-se Peixaria & Sushi Bar Divina Providência: vende pescados de 8h às 18h e, a partir das 19h, entram em cena os sushis, sashimis e outras especialidades japonesas.
A protagonista desta história de sucesso em Irajá desfila, desde maio quando venceu o concurso dos botecos do Rio, entre os dois estabelecimentos com uma faixa de campeão: Manuela Ornelas, mais do que conhecida no bairro, é também um fenômeno das redes sociais e o seu perfil no Instagram, @manudapeixaria, entrou a semana com mais de 300 mil seguidores (são mais 27 mil no TikTok). E foi essa desenvoltura digital que ajudou a Divina Providência, inicialmente hortifruti e peixaria, a se estabelecer, após um começo difícil, atravessar a pandemia e dar filhotes.
Em 2018, quando passei sem reparar no comércio de pescados, Manuela apenas começava a vender seu peixe pelas redes sociais. Formada em farmácia, com mestrado em Patologia Humana pela UFF, ela congelou seu doutorado em Farmacologia e Química Medicinal, em 2014, para virar sócia do pai, Manoel, já dono de um hortifruti, em uma peixaria na Baixada Fluminense. Em 2017, a inquieta Manuela resolveu abrir seu próprio estabelecimento (mix de peixaria e hortifruti, aproveitando a experiência familiar) em Irajá, onde passara parte da infância. Teve dificuldades no começo: ela chegou a abrir e logo depois fechar uma filial em Madureira.
Mas, no fim de 2018, a Manu da Peixaria – sua Divina Providência já havia abandonado as hortaliças e frutas – começou a usar as redes sociais para ensinar o preparo de pratos de frutos do mar e também a escolher os pescados na hora da compra. O movimento aumentou e a peixaria começou também seu serviço de entregas. Pouco mais de um ano depois, a peixaria passou a abrir como bar aos fins de semana, sempre servindo petiscos e pratos à base de pescados. A pandemia de covid-19 encontrou a Divina Providência mais preparada para os tempos de lockdown e restrição de circulação do que a grande maioria dos estabelecimentos do ramo: já contava com divulgação digital, com a Manu da Peixaria já com quase 40 mil seguidores no Instagram, e tinha experiência no serviço de delivery.
Com suas receitas fazendo sucesso nas redes sociais e a vida voltando ao normal, Manuela Ornelas, tornou, em 2022, o endereço da Monsenhor Félix exclusivo para o bar e transferiu a peixaria para outro ponto, bem maior e perto o suficiente para continuar abastecendo sua cozinha: pescados frescos fazem parte das receitas, que a fizeram ganhar cada vez mais seguidores e clientes. Ali, aproveitando o espaço, abriu o sushi bar, também com serviço de entrega na região.
Para entrar no Comida di Buteco 2024, a Divina Providência caprichou no marketing novamente. Passou por uma reforma para colocar nas paredes do bar a história do lugar desde 2017, já que o petisco inscrito na disputa – bolinho de bacalhau cozido em creme de moqueca, acompanhado de tapenade de azeitona – foi batizado de ‘A origem’ e vem à mesa em uma kombi de brinquedo: era esse o veículo usado por Manuela para carregar alguns produtos do comércio do pai para sua peixaria em Irajá. A nova decoração, além da história da Divina Providência, também já pedia votos dos clientes para o concurso Comida di Buteco – pedido repetido nas redes sociais.
Na quinta-feira chuvosa, a maioria das mesas do Divina Providência estava ocupada, com muita gente ainda pedindo o petisco premiado que não decepciona: é exclusivamente bacalhau no recheio saboroso. O bolinho de camarão com aipim também está no nível dos melhores da cidade e também é muito camarão no recheio do pastel. Na hora do almoço, clientes dão preferência aos pratos executivos – R$ 39,99 os de camarão ou peixe; R$ 34, 99 os tradicionais de carne ou frango. Fiquei nos petiscos mas vou voltar para experimentar os recomendados bobó de camarão ou chiclete de camarão, uma receita com queijos.
No meio do almoço, Manuela Ornelas aparece com sua faixa de campeã nacional do Comida di Buteco atravessada no peito e cumprimenta os clientes. É ela quem conta que o nome Divina Providência surgiu após um retiro de Carnaval, do movimento católico Canção Nova, onde a então adolescente rezou para sua família superar as dificuldades financeiras que a afligiam. Em 2024, aos 36 anos, a Manu da Peixaria já pode se apresentar como “diretora-executiva do Grupo Divina Providência” – restaurante, peixaria e sushi-bar – e “primeira influenciadora de pescados do Brasil”. E, além de administrar o negócio, ela continua vendendo seu peixe diariamente nas redes sociais e dá palestras sobre sua história de sucesso em Irajá, bairro onde, como contei em 2018, a Zona Norte começou.
Texto publicado originalmente no #Colabora – Jornalismo Sustentável