“Vai ficar marcado para sempre”. A afirmação é do síndico André Vieira, conhecido como “Cajá”, 15 anos após a tragédia do Morro do Bumba, ocorrida em 7 de abril de 2010. O desastre devastou a comunidade de mesmo nome, localizada em Viçoso Jardim, Niterói, na Região Metropolitana do Rio, causando a morte de pelo menos 48 pessoas confirmadas e deixando centenas de desabrigados e desaparecidos.
Para André, que tem 50 anos e atua como síndico há nove anos no conjunto habitacional do Bumba — criado para abrigar as vítimas da tragédia — essa data não é fácil. Ele relembra os amigos e vizinhos próximos que perdeu naquele dia. Segundo o síndico, “o sentimento fica na memória”, especialmente a alegria e o companheirismo que existiam entre os moradores antes do desastre.
“A tragédia ficou marcada para sempre. Perdemos amigos, parentes… fica uma marca. Sempre que chega essa data, as pessoas lembram, mas seguimos tocando a vida da melhor forma possível. O sentimento permanece na memória. Estávamos sempre juntos, fazendo churrasco e, de repente, tudo acabou. Cada um foi para um lugar, mas ninguém esquece, foram vidas que perdemos. Pode passar o tempo que for, mas isso não vai apagar da nossa mente”, afirma o síndico.

Semana marcada por fortes chuvas
O desastre teve como principal causa as condições de moradia inadequadas e o acúmulo de lixo e entulho na região, que, com as fortes chuvas daquela semana, provocaram o deslizamento. O morro, que foi construído sobre um antigo lixão e sem planejamento público, estava saturado pela decomposição dos resíduos e a pressão da água das chuvas foi o fator desencadeante da tragédia.
O despachante Zé Mauro, de 51 anos, presenciou toda a tragédia. Algumas horas antes do deslizamento, ele conta que estava conversando com amigos em frente a uma igreja e, ao se despedirem, ouviu os primeiros barulhos. Em seguida, outro morador o chamou para ajudar seu pai, que teve a casa atingida por uma pedra.
“Eu vi tudo desabar. Muita gente perdeu tudo. Todo mundo se conhecia e se falava, e, de repente, tudo foi embora. Foi um desastre. Participei também do resgate das vítimas, inclusive de um dos amigos que estava comigo. Mas, hoje, eu tento não pensar sobre aquele dia”, explica.

‘Tragédia começou muito antes’
Para Zé Mauro, no entanto, a tragédia “começa muito antes”. Ele critica o descaso e o abandono com a região e com os moradores do Bumba, uma situação que, segundo ele, continua sendo perpetuada até hoje, 15 anos após o desastre.
“A tragédia começa muito antes. Foi uma sequência de descasos. Aquilo ali, na verdade, era uma lixeira. Depois que começaram a chegar as pessoas, não havia controle: alguém levantava o barraco e a prefeitura autorizava. E até hoje existe abandono, não cuidam de ninguém. Alguns receberam casas e outras ajudas, mas outros perderam tudo e tiveram que se virar, reconstruir tudo de novo”, explica.

‘A lembrança é o que nos mantém fortes’
A dona de casa Fabiana Moraes, de 47 anos, também foi uma das sobreviventes. Ela, que perdeu amigos próximos naquele dia, conta que a “lembrança” é o que mantém viva a memória do sofrimento dos moradores do Bumba, “para que não se repita” uma tragédia como aquela.
“A lembrança é o que nos mantém fortes. Não podemos deixar que o que aconteceu se apague, porque é a memória do sofrimento que nos ensinará a lutar para que nunca mais algo assim aconteça”, compartilha.
Além do desastre
Fabiana, no entanto, tenta não se recordar apenas do Morro do Bumba que desabou, mas também daquele que existia e que, até hoje, faz parte da memória dos moradores. Para ela, as vítimas perderam não só entes queridos, mas também uma parte importante de suas histórias.
“Era um ambiente de união, de apoio mútuo. Quando a tragédia aconteceu, foi como um pesadelo. A dor da perda ainda é muito grande. Era um lugar onde todos se ajudavam. A tristeza do que aconteceu é imensa, pois não é só a perda das pessoas, mas também a perda daquele ambiente, daquela convivência tão bonita. Mas nunca será esquecido”, enfatiza.


MP denunciou o prefeito da época
Ainda em 2010, o Ministério Público notificou o então prefeito de Niterói, Jorge Roberto Silveira (PDT), e o então secretário municipal de Serviços Públicos, Trânsito e Transportes, José Roberto Mocarzel, para que prestassem esclarecimentos sobre a tragédia. Eles foram investigados criminalmente por homicídio culposo, devido à negligência por parte do governo municipal.
A denúncia se baseou principalmente no relato do então secretário municipal de Integração Comunitária João Batista Medeiros Júnior, que, ao depor, afirmou ter alertado Silveira e Mocarzel por e-mail, entre janeiro e março de 2010, sobre os riscos de deslizamento em várias regiões, incluindo o Morro do Bumba. A afirmação foi dada à Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente de Niterói, mas nenhuma ação foi tomada na época.


Programas habitacionais
O TEMPO REAL conversou com a Prefeitura de Niterói e perguntou que ações estão sendo postas em prática para que não aconteçam novos casos do tipo. O município informou que, desde 2013, foram entregues 4 mil unidades habitacionais em condomínios de 300 a 400 unidades na cidade, muitas delas destinadas à realocação de famílias afetadas pela tragédia, em bairros como Viçoso Jardim, Baldeador, Fonseca, Caramujo e Sapê, entre outros. Segundo a prefeitura, a previsão é entregar mais 1 mil unidades habitacionais de interesse social nos próximos meses e 4 mil unidades nos próximos quatro anos.
A prefeitura também sublinhou que, nos últimos 12 anos, após a tragédia do Morro do Bumba, o município investiu mais de R$ 1,7 bilhão em ações de resiliência e prevenção. Esses investimentos incluem a aquisição de equipamentos, a implementação de tecnologias, a capacitação profissional, além de obras de drenagem, pavimentação e contenção de encostas em diversas regiões da cidade.
‘A cidade vem se transformando’
Ao recordar do caso, o prefeito Rodrigo Neves (PDT) ressaltou a importância em dar a devida atenção para a infraestrutura da cidade.
“Ao longo dos últimos anos, investimos fortemente em infraestrutura, contenção de encostas, defesa civil, sustentabilidade e inovação, tornando o município referência em resiliência urbana. As obras de contenção de encostas são imprescindíveis. A cidade vem se transformando com ações planejadas de acordo com um trabalho criterioso de análise que segue o plano de gerenciamento e prevenção de riscos. Todas as áreas classificadas como ‘risco alto’ e ‘risco muito alto’ passaram por obras de contenção. Niterói também tem 56% de seu território como áreas de proteção ambiental”, reforçou o prefeito.

‘Muitos morros e inclinações’
A vice-prefeita e secretária do Clima, Defesa Civil e Resiliência de Niterói, Isabel Swan (PV), também se pronunciou sobre as ações de enfrentamento às mudanças climáticas e eventos climáticos extremos, destacando que a cidade tem liderado, em nível nacional, essas ações.
“Niterói vem tratando como prioridade máxima a estruturação da cidade para situações de eventos climáticos extremos. Estamos falando de um município com características geográficas marcadas por muitos morros e inclinações, por isso o trabalho que a prefeitura faz é de agir com obras de contenção e drenagem, mas também com prevenção”, afirmou Isabel Swan.
Defesa Civil de Niterói
A Prefeitura de Niterói explicou que a Defesa Civil da cidade passou por uma transformação significativa desde a tragédia do Morro do Bumba. Atualmente, segundo o município, o órgão conta com equipamentos de ponta que enviam imagens em tempo real para o Centro de Monitoramento da Defesa Civil, que funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana. Meteorologistas monitoram as condições climáticas e emitem alertas à população.
Além disso, segundo a prefeitura, a cidade conta com 46 pluviômetros automáticos e 37 sirenes instaladas em locais estratégicos de 33 comunidades. A Defesa Civil estruturou ainda Núcleos de Defesa Civil (Nudec) em diversas localidades, com mais de 3,4 mil voluntários para apoiar as ações emergenciais. A prefeitura destacou que, em caso de necessidade de evacuação de áreas, existe um planejamento com rotas de fuga e pontos de apoio estabelecidos para receber os moradores.

O município finalizou destacando o desenvolvimento do aplicativo Alerta DCNIT, que emite alertas sobre chuvas fortes, ressacas, ventos e riscos de incêndios. O sistema inclui um botão que conecta automaticamente o usuário à Defesa Civil, por meio do número 199, reforçando a cultura preventiva e a resiliência do município.
Que façam bom uso do dinheiro, e não coloquem um centavo no próprio bolso.