A comissão especial criada para avaliar e acompanhar a situação da legalização e fiscalização do trabalho informal na cidade realizou uma audiência pública, nesta segunda-feira (12), no plenário da Câmara do Rio. Foram debatidas, junto aos trabalhadores, soluções para algumas das principais dificuldades enfrentadas na rotina dos camelôs e vendedores ambulantes do município.
O encontro foi conduzido pelo presidente da comissão, o vereador Leonel de Esquerda (PT). A mesa foi composta também pela vereadora Maíra do MST (PT); José Mauro, representante do Sindicato dos Trabalhadores Informais (Sindinformal); Maria dos Camelôs, coordenadora do Movimento Unido dos Camelôs (Muca-RJ); Júlio Araújo, procurador da República e membro da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC/MPF); Sandra Kokudai, superintendente de Patrimônio da União; Cristiane Xavier, defensora pública e coordenadora do Núcleo de Direitos Humanos da DPRJ; Divino da Silveira, representante do deputado federal Reimont (PT) — parlamentar que participou remotamente —, e Carolina Alves, coordenadora do coletivo Elas Por Elas. Estiveram presentes ainda a vereadora Rosa Fernandes (PSD) e a ex-vereadora Mônica Cunha.
No debate, foram levantados pontos em comum pelos participantes, como a preocupação com o que chamaram de truculência e a forma de fiscalizar da Guarda Municipal; a não regulamentação por parte do Poder Executivo da Lei nº 6.426, aprovada na Câmara e que determina a criação de depósitos oficiais para que os ambulantes possam guardar suas carroças e mercadorias; e o não cumprimento também, segundo eles, das leis nº 6.655, que estabelece a transparência na fila do Cadastro Único do Comércio Ambulante (Cuca), e nº 1.876, que estabelece regras para o comércio ambulante.
“Essa audiência hoje é de extrema importância para nós e para os nossos movimentos, para a nossa luta de trabalhadores ambulantes contra a precarização do trabalho informal nas ruas. Nós sofremos diversas violências da Guarda Municipal. Eu, uma mulher, negra, ambulante e favelada, já levei duas balas de borracha trabalhando na rua”, disse Carolina Alves, do coletivo Elas Por Elas, que fez críticas à GM armada.
Falta de depósitos para os camelôs
Coordenadora do Muca, Maria dos Camelôs trabalha pelas ruas da cidade há mais de 30 anos. Ela reclamou do fato de não haver depósitos para os camelôs na cidade, apesar de existir uma lei para isso há anos, e relembrou a morte trágica de um vendedor ambulante que acabou atropelado após um dia de trabalho quando se dirigia a um depósito informal.
“Nós temos a lei que determina a criação dos depósitos, mas a prefeitura até hoje não regulamentou, não legalizou, não deu alvará para nenhum depósito. Gilberto Domingos foi um camelô que estava trabalhando no Maracanã, saiu de madrugada com o seu carrinho cheio de bebida, andou até a Central para poder guardar sua mercadoria num depósito e acabou atropelado no caminho por uma motorista embriagada. Perdemos esse companheiro porque ele não tinha um depósito próximo ao local de trabalho”, afirmou a sindicalista. “Precisamos também de transparência no Cuca: saber quem são essas pessoas que estão ali licenciadas, saber onde estamos na fila. Somos trabalhadores, fazemos a roda da economia girar, geramos empregos, vamos para a rua, nos organizamos, trabalhamos para levar o sustento para casa e nunca somos respeitados por quem está no poder. Mas fico muito feliz com a iniciativa dessa audiência”.
José Mauro, do Sindinformal, também cobrou a aplicação das leis. “Não dá mais para aceitar tamanho desrespeito com a nossa categoria. Nós temos que trabalhar para unir forças, fazer com que as leis, inclusive as que já foram votadas nesta Casa, sejam cumpridas. A lei dos depósitos é de 2018, a do Cuca é de 2019, já vão completar seis anos e não são colocadas em prática. Eu hoje prefiro deixar a minha barraca na rua do que colocar num depósito e correr o risco de amanhecer no dia seguinte ouvindo que o depósito foi estourado e que a minha mercadoria foi toda levada. A situação está complicada, crítica”, declarou.
A defensora pública do estado Cristiane Xavier, por sua vez, lamentou o fato de não haver representantes do Poder Executivo na audiência e criticou as ações de fiscalização. “Nós temos uma lei que prevê o comércio informal, e ela busca justamente regularizar, regulamentar a atividade. Mas qual é a situação hoje? Eu vi ontem uma senhora sendo abordada, agredida com um mata-leão e tendo sua mercadoria levada. Nós temos leis e a sociedade precisa cobrar a regulamentação dessas leis. A quem interessa não manter essa atividade de forma regular? A quem interessa manter uma atuação violenta em detrimento dessas pessoas que estão ali dignamente tentando ganhar o mínimo do mínimo para pagar suas contas de luz, água, moradia e alimentação?”, questionou.
Deputado cobra respeito aos informais
O deputado federal Reimont (PT), autor das leis dos depósitos e da transparência no Cuca, também participou do debate.
“A questão do Cuca precisa ser respeitada pela prefeitura. As licenças que chegam aos ambulantes são licenças para que eles possam trabalhar. Os ambulantes giram a economia, ajudam a cidade a ser melhor: trazem segurança para as ruas e, ao contrário do que muita gente pensa, ajudam a organizar a cidade. A empregabilidade formal não abriga todo mundo, e o vendedor ambulante precisa ser respeitado no seu papel”, argumentou.
O procurador federal Júlio Araújo, por sua vez, destacou que o Ministério Público Federal realiza um trabalho para investigar possíveis ações truculentas da Guarda Municipal contra os vendedores ambulantes. Para ele, precisa haver um protocolo bem estabelecido para evitar excessos nessas abordagens, que são tão criticadas pelos trabalhadores.
“Infelizmente, no nosso município esse é um tema que vem sendo tratado sob a perspectiva da violência e da repressão. O MPF começou a acompanhar esse tema, nós temos um inquérito civil e começamos a apurar não só os casos de violência que muitos sofrem, mas também a falta de protocolos adequados, como respeitar os trabalhadores ambulantes, jamais utilizar força excessiva numa atuação”, acrescentou o procurador da República. “E não basta discutirmos só a repressão: começamos a debater também as políticas e o cumprimento das leis municipais que existem e interessam aos camelôs: o Cuca, as licenças, os depósitos, a saúde dos trabalhadores. A implementação dessas políticas é o que efetivamente vai garantir a dignidade e uma melhor convivência do Poder Público com os camelôs”.
Críticas às abordagens aos ambulantes
A vereadora Maíra do MST (PT) também fez críticas às abordagens aos vendedores ambulantes durante as fiscalizações.
“Hoje estamos aqui para reafirmar que essa Casa Legislativa está à disposição para subverter o silenciamento desses trabalhadores informais do município, que sofrem com um processo violento de espoliação. Isso atinge diretamente os corpos, as mentes, precarizando ainda mais suas condições de vida e de sobrevivência. Há hoje uma privação do direito ao trabalho, que é um direito fundamental e previsto em normas nacionais e internacionais”.
O presidente da Comissão, Leonel de Esquerda (PT), lembrou de quando trabalhava no comércio informal e disse que, ao estudar o tema, passou a ter a convicção de que há soluções para os problemas levantados pelos comerciantes. “Quando eu agradeço por essa audiência, agradeço por mim também. Eu fui camelô, vendi cerveja na praia de Copacabana por muito tempo. Até dois anos atrás, antes de descobrir um câncer, meu pai estava lá, vendendo empadas em frente ao mercado na Abolição. Há cerca de 10 anos, eu pegava o ônibus 457 lotado, com isopor pesado, para vender as cervejas na praia”, relembrou o parlamentar. “O que eu constatei é que tem como melhorarmos essa situação, temos leis, temos ordenamento jurídico, podemos organizar o espaço público e garantir trabalho para todo mundo, sem precisar fiscalizar com truculência, sem precisar agir na base da repressão.”
Superintendente de Patrimônio do Governo Federal, Sandra Kokudai informou que existe um programa na pasta que poderia viabilizar a implementação dos depósitos e centros de referência aos trabalhadores. Ela destacou a importância desses lugares, não só para o armazenamento, mas também para que essas pessoas tenham um local para beber água, ir ao banheiro ou mesmo pegar uma sombra.
“Eu cuido da gestão dos imóveis do Governo Federal no Estado do Rio. Temos uma política de que os imóveis da União precisam cumprir sua função socioambiental e esses imóveis devem ser do povo, têm que servir ao povo, desde a questão da moradia até o uso para a cidade. Nós temos um programa de democratização dos imóveis da União, o programa Imóvel da Gente, então quando vocês questionam se há imóveis disponíveis para esses depósitos, sim, acho que a gente caminha muito bem para abrir essa discussão. Além disso, discutimos também a questão da moradia popular para os ambulantes”, argumentou Sandra.
A Comissão Especial com a finalidade de avaliar e acompanhar a situação da legalização e fiscalização do trabalho informal na cidade do Rio de Janeiro é composta pelo presidente, Leonel de Esquerda (PT); o relator, Rocal (PSD); e os membros Jair da Mendes Gomes (PRO), Fabio Silva (Podemos) e Rosa Fernandes (PSD).