Outro dia eu escutei uma conversa na portaria do meu prédio. Dois porteiros, com pouca escolaridade, evangélicos de igrejas distintas, utilizando a Bíblia como testemunha das suas convicções, discutiam sobre o que era pecado. Divergiam de acordo com os ensinamentos que ouviam dos seus pastores. São tantas as igrejas e seitas, são tantos os bispos, pastores e padres que não se pode estranhar a diversidade de interpretações doutrinarias de um mesmo texto. Até da sagrada Bíblia.
Sem nenhuma razão aparente, fiquei pensando naquilo e me dei conta de quanto é complexa a noção de pecado. E alguns deles, para mim, são tão ridículos que certamente não seriam aprovados como tal pelo Deus que os fiéis acreditam. Vejam que mulçumanos e judeus não comem carne de porco, fazendo com que eu, um suinófilo assumido, uma vez convertido a alguma daquelas religiões, fosse imediatamente condenado às labaredas do inferno
Outras religiões guardam os sábados: a partir do pôr do sol da sexta-feira até o mesmo horário do sábado. Qualquer trabalho é proibido, mesmo os mais banais. Pergunto-me, o que levaria Deus a se preocupar e perder tempo proibindo coisas tão comezinhas?
Muitas religiões proíbem a ingestão de álcool em qualquer quantidade, ajudando a piada pronta que transformaria Jesus de milagreiro a pecador pela transformação de água em vinho.
Algumas religiões mais radicais em seus princípios morais exigem que que as mulheres usem burcas, ou cubram parte dos seus rostos, como se aquilo pudesse evitar pensamentos pecaminosos e atenuar eventuais desejos carnais. E por que esses pensamentos e desejos são pecados, se foram criados por Deus, que os fez involuntários e necessários à reprodução humana?
Eu quero crer que, na antiguidade, a noção do pecado foi introduzida pelos poderosos, utilizando inteligentemente as religiões como forma de organizar e controlar as sociedades. Imagino o caos que seria se cada pessoa tivesse os seus próprios valores e princípios éticos, sem uma série de regras para uniformizar as atitudes e comportamentos. O pecado, então, teria sido adotado como elemento organizador das comunidades e as religiões, com a ameaça de um castigo ou uma graça eterna, utilizadas como vetores disseminadores dessa ordem.
Também percebo que as religiões se diferenciam através de pecados menores e desimportantes porque as ações pecaminosas realmente sérias são igualmente consideradas — e condenadas — em todas elas: matar, roubar, mentir, perjurar e caluniar são exemplos concretos.
Ora, esses pecados mais sérios são tão instintivos, naturais e espontâneos que já eram punidos nas sociedades mais primitivas e continuam sendo até hoje nas tribos indígenas ainda isoladas. Não por acaso, atualmente são registrados como crime nos códigos penais de todos os países, independente dos regimes políticos ou regiões geográficas. A instintividade desses pecados/crimes mais graves é que sempre me fez duvidar da opinião de Jean Jacques Rousseau: “o homem é bom por natureza, mas está submetido à influência corruptora da sociedade”.
Por tudo isso, e como valorizo as coisas simples, prefiro fugir da complexidade dos pecados religiosos e assumir uma frase que li, ou ouvi, em algum lugar: — Estarei pecando quando tiver que esconder qualquer ação com receio de envergonhar a minha mãe.
Estas reflexões sobre o pecado me levaram a pensar sobre um assunto igualmente complexo: a Ética. Desconheço algum filósofo que não tenha escrito centenas de páginas tentando criar a sua própria definição de ética. Desde Sócrates e Platão, até os nossos Karnal e Cortella, os conceitos de ética têm se sucedido, todos muito herméticos e de difícil compreensão. Seria exigência descabida querer que todas as pessoas interessadas no assunto lessem aquelas centenas de livros e artigos, muitos dos quais cheio de pedantismo e propositalmente incompreensíveis.
Diante dessa complexidade, e novamente atendendo aos meus princípios de valorização da simplicidade, fugi do cinismo de ex-deputado federal pernambucano que justificava seus malfeitos dizendo ser a ética uma coisa muito relativa e encontrei em Oscar Wilde uma manifestação que me atendeu plenamente: “Ética é o conjunto de coisas que as pessoas fazem quando todos estão olhando”.
Rio, 2025
Muito bom.